Os primeiros europeus que chegaram à América, em fins do século XV e início do XVI, divulgaram dela descrições que estavam mais para um paraíso que para apenas mais um Continente. Árvores gigantescas, animais, flores e frutos exóticos, tudo era relatado até com um certo exagero, contribuindo para a formação de ideias um tanto fantasiosas e irreais, que mesclavam a apoteose da natureza ao horror dos espetáculos de canibalismo indígena.
Ainda que o exagero fizesse parte das narrativas que então se produziram, era inegável que um novo panorama de diversidade biológica se abria aos estudiosos que, no entanto, não estavam assim tão aptos a desvendar os segredos da América, prisioneiros que eram das velhas formas de pensar derivadas do escolasticismo de inspiração aristotélica.
Por suposto os primeiros autores que versaram sobre o Continente recém-descoberto eram todos europeus; mas, à medida que a colonização prosseguia, filhos de europeus nascidos na América passaram a constar entre os autores de obras que se destinavam claramente a maravilhar os leitores do Velho Mundo. Entre esses autores está Frei Vicente do Salvador que, até onde sabemos, foi o primeiro nascido no Brasil a lançar-se na empresa de escrever uma história da então colônia lusitana. Em seu livro, que por séculos permaneceu sem ser impresso, misturam-se descrições da terra que, em parte, ele conhecia bem (era natural da Bahia) à narrativa dos acontecimentos relacionados à ocupação e governo português, verdadeiras aventuras, muitas vezes, no exato sentido do termo. Seu estilo lembra um pouco o de Heródoto, fazendo-se antes um contador de histórias que um historiador com bases científicas, pelo menos quanto ao modo como hoje entendemos essa questão. Assim, leitor, para dar-lhe a oportunidade de saborear um pouquinho dessa História do Brasil, vai aqui um breve trecho descritivo de uma particularidade vegetal da América:
"Outras há de qualidades ocultas, entre as quais é admirável uma ervazinha, a que chamam erva viva, e lhe puderam chamar sensitiva, se o não contradissera a Filosofia, a qual ensina o sensitivo ser diferença genérica, que distingue o animal da planta, e assim define o animal, que é corpo vivente sensitivo.
Mas contra isso vemos, que se tocam a esta erva com a mão, ou com qualquer outra coisa, se encolhe logo e se murcha, como se sentira o toque, e depois que a largam, como já esquecida do agravo que lhe fizeram, se torna a estender e abrir as folhas; deve isto ser alguma qualidade oculta, qual a da pedra de cevar para atrair o ferro, e não lhe sabemos outra virtude."
Dormideira ou sensitiva (Mimosa pudica) com as folhas abertas |
A mesma planta, após ser tocada, com as folhas fechadas |
Para encerrar a postagem, quero apenas assinalar que, como todo mundo sabe e, malgrado a oposição de Frei Vicente do Salvador, o nome popular dessa plantinha rasteira é mesmo sensitiva ou dormideira, ainda que a nomenclatura binomial a chame Mimosa pudica.
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