domingo, 7 de novembro de 2010

Milhares de locomotivas - Parte 3

Nas duas postagens anteriores tratei brevemente da história da Baldwin Locomotive Works. Agora veremos como essa empresa relacionou-se com a expansão ferroviária no Brasil.
Conforme todo mundo sabe, o Brasil foi colonizado por Portugal. Acontece que a pequena nação ibérica tornou-se algo dependente da economia britânica e, como colônia, o Brasil foi fortemente atingido por esse fato (que se veja, sobre isso, o famoso "Tratado de Comércio e Navegação" de 1810). Mesmo tendo alcançado a independência política em 1822, o Brasil permaneceu sob a influência dominante da economia inglesa ao longo do século XIX e, por essa razão, quando as ferrovias começaram a cortar as regiões produtoras de café, viu-se logo a chegada de locomotivas a vapor provenientes da Inglaterra. Até mesmo outros equipamentos, igualmente associados à exportação cafeeira, vinham de lá, como é o caso das balanças para pesagem das sacas de café.
A despeito disso, a Baldwin Locomotive Works (que era americana), fez negócios no Brasil. Apenas como amostra, o livro History of the Baldwin Locomotive Works 1831 - 1920 apresenta,  na página 75, uma locomotiva feita especificamente para a Ferrovia D. Pedro II, no ano de 1885. Curiosamente, ela é denominada "Decapod", pois tem dez rodas.


Outra locomotiva destinada ao Brasil aparece em Illustrated Catalogue of Narrow-Gauge Locomotives, ed. de 1885, p. 20:


Não pretendo fazer uma listagem exaustiva dos negócios da Baldwin no Brasil, mas no já citado History of the Baldwin Locomotive Works podem ser encontradas as seguintes referências:
Na página 58, afirma-se que os primeiros negócios no Brasil datam de 1862-1863;
Na página 64, são mencionadas três locomotivas fornecidas para a Ferrovia União Valenciana (RJ);
Na página 68, há referência a uma locomotiva tipo "Mogul", denominada "Príncipe do Grão-Pará", fornecida para a ferrovia D. Pedro II, no ano de 1876;
Na página 74, é citada uma encomenda de três locomotivas pela ferrovia Cantagalo feita em 1882, que foi entregue no ano seguinte. A viagem inaugural deu-se em 17 de outubro de 1883, cobrindo oito quilômetros até Boca do Mato, com velocidade de 24 quilômetros por hora - muito interessante!
Na página 75 há referência à já citada  "Decapod" da Ferrovia D. Pedro II;
Na página 77, finalmente, é relatada a entrega de duas máquinas a vapor para ferrovia urbana no Brasil, uma para a "Corcovado Railway", entre 1888 e 1889, outra para a Ferrovia Príncipe do Grão-Pará.

Locomotiva destinada à ferrovia urbana "Corcovado Railway"

Seguramente houve outras encomendas, já que o catálogo que consultei relata locomotivas até 1885, e eu encontrei em Jaguariúna, S.P.,  duas locomotivas do mesmo fabricante, porém de datas posteriores:


Estão aí, como se pode ver, as identificações, respectivamente, da locomotiva 37.710, de 1912, e da locomotiva 54.058, de 1920. Essas informações são muito relevantes, principalmente para quem tem interesse pelas antigas ferrovias brasileiras, mas é preciso ir além.
Antes de mais nada, esses dados mostram que a maré da economia mundial estava já começando a mudar. O centro econômico do mundo deixaria, em pouco, de ser a Europa, para mudar-se para os Estados Unidos. E os negócios que o governo do Brasil fazia no exterior eram um reflexo disso.
Mas há um outro aspecto a ser considerado: não teria passado pela cabeça de ninguém fabricar locomotivas por aqui mesmo? É claro que sim! Várias foram as tentativas, algumas até muito bem-sucedidas. No entanto, jamais alguém, nesse tempo, tornou-se o fundador de uma empresa similar à Baldwin Locomotive Works. Por quê?
Leitor, o assunto é complexo, mas, dentre outras causas, destacam-se:
1) A malha ferroviária brasileira era infinitamente menor que a americana, por exemplo, o que já explica a inexistência de um mercado interno considerável;
2) A falta de mão de obra nacional qualificada para o trabalho em um ramo de atividade que exigiria amplo conhecimento (as ferrovias aqui instaladas geralmente traziam técnicos estrangeiros para trabalhar);
3) A ideia de que era mais rápido, fácil e prático importar (que ainda persiste em alguns setores até hoje);
4) A noção de que, ao fim e ao cabo, o produto importado era sempre melhor (outro conceito muito antigo que ainda perdura, vindo desde o tempo em que prevalecia o pensamento de que tudo o que prestava era "do reino"...).
Vamos concluir: em muitos setores da economia brasileira tudo isso é, felizmente, passado. Mas é preocupante que, na mentalidade popular, importado seja sinônimo de qualidade e, mais que isso, que em alguns ramos tenhamos falta de trabalhadores devidamente treinados. Há, portanto, tantos anos depois das primeiras ferrovias, muito trabalho a fazer, inclusive no que se refere à infraestrutura de transportes.


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