Se observarmos a História do Brasil, verificaremos que, em se tratando de mulheres pobres ou escravas, nunca houve muito questionamento quanto à sua óbvia utilização como mão de obra, fosse o país uma colônia ou, já nação independente, império. O mesmo pode ser dito em relação à mulher imigrante. O diferencial está em relação às mulheres de uma certa posição social e econômica, do que poderíamos talvez chamar de "elite branca" (com milhões de aspas). Dessas, esperava-se, em geral, que fossem essencialmente "esposas e mães", repetindo o suposto modelo de incontáveis gerações, ou seja, contribuindo para preservar o status quo.
Mas, você que se interessa por História, sabe muito bem que tudo muda. E, nesse sentido, a mudança veio, ainda que a reboque, no Brasil da primeira metade do século XX. A Primeira Guerra Mundial foi, na maior parte da Europa e nos Estados Unidos, um marco decisivo em termos de inserção da mulher no mercado de trabalho. Compreende-se: por estarem os homens no front, havia vagas precisando, desesperadamente, de que alguém as ocupasse. Com o fim do conflito, pelo menos no caso dos Estados Unidos, a expansão econômica de parte dos anos vinte garantiu que o processo não fosse revertido. E, se a crise pós 1929 significou o fim de muitos postos de trabalho tanto para homens como para mulheres, a subsequente eclosão da Segunda Guerra Mundial consolidaria a atuação profissional das mulheres. Pelo menos, na parte mais industrializada do planeta.
Por aqui a coisa corria com uma certa desconfiança, num ritmo, digamos, mais lento. Mas acontecia. O que suscitava, na imprensa, vez por outra, alguma referência maldosa, pelo menos segundo o julgamento a partir de nossas concepções atuais. Quer ver? Vão aqui duas "anedotas", uma publicada em 1918 e outra um ano após, em 1919:
"- Escute, meu caro, ficarei contentíssima de me tornar sua esposa, mas com o que não me conformo é com deixar o meu emprego. Atualmente eu ganho trezentos mil réis por mês.
- Não, não, minha querida, não precisa deixar emprego... Assim viveremos melhor...
- Por quê?
- Eu deixo o meu. Eu ganho somente 150!" (¹)
Vale a observação de que, na época, muitos porta-vozes do conservadorismo argumentavam que, se as mulheres trabalhassem fora de casa, seria o fim do casamento, e chegavam até a, de certa forma, ameaçar as jovens com esse "fantasma"... Curiosamente, as mulheres pobres trabalhavam há muito tempo, e nem por isso haviam deixado de se casar. É fato consumado que o discurso conservador tende a ganhar força em épocas de estagnação econômica, perdendo parte de seu sentido em momentos de exuberância do mercado de trabalho. Mas vamos adiante. Segunda anedota:
"Um esfarrapado subiu a um primeiro andar, onde está instalado um consultório médico. Bateu à porta, e veio abrir-lha uma senhora.
- Ó minha senhora! era uma grande caridade que me fazia, se me pedisse, para mim ao sr. doutor, um par de calças velhas, que já não lhe fizessem faltas!
- O sr. doutor sou eu, respondeu, sorrindo, a médica." (²)
Ah, leitor, mas isso é leve. Aberração mesmo é isto aqui:
Olhe, leitor, e olhe bem. Tem alguma ideia sobre o que seja essa engenhoca? Vou ajudá-lo. Diz a legenda:
"Aparelho destinado a medir a capacidade cerebral das mulheres." (³)
Sim, você leu corretamente. Não tenho mais nada a dizer.
(1) A CIGARRA, 24 de dezembro de 1918.
(2) A CIGARRA, 1º de dezembro de 1919.
(3) A CIGARRA, 1ª quinzena de novembro de 1932.
Observação importante: Comentários de caráter sexista estão, desde já, polidamente rejeitados.
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