quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Vamos falar de ópera?

Óperas, em sua imensa maioria, contam histórias malucas, insanas mesmo. Querem ver? Um alto oficial militar egípcio é condenado a morrer trancafiado em uma cripta e, ali, descobre que uma escrava por ele apaixonada entrou sem ser vista para morrer também (Aída); encontros e desencontros amorosos acabam em duelo e morte (Cavalleria Rusticana); na França do Século XVIII uma mulher, presa sob a acusação de roubo e prostituição, é condenada a degredo na Louisiana, onde morre, acompanhada por um jovem nobre que, apaixonado por ela, fizera questão de ir a tão inóspito lugar (Manon Lescaut); o barão Scarpia tortura o pintor Mario Cavaradossi e ordena sua execução, mas Floria Tosca apunhala o barão, Cavaradossi é executado e Tosca se suicida (Tosca). Basta! Em alguns casos, os libretistas se inspiraram em romances de sucesso, enquanto em outros, apenas deram asas exageradas à criatividade. Quem se importa com essas histórias cabeludas, se a música é capaz de provocar alucinações até em estátuas (desde que não seja a do Comendador em Dom Giovanni)?
Mas abram os olhos, leitores. As palavras podem conter ideias venenosas. Considerem este trecho de uma das árias mais famosas de todos os tempos:
"La donna è mobile qual piuma al vento,
Muta d'accento e di pensiero..."
Sim, é de Rigoletto, música de Verdi, com libreto de Francesco Maria Piave. Aos que tendem a concordar com o que se diz, recordo que o libretista colocou estas palavras na boca do Duque de Mântua, o crápula da ópera. Contudo, é provável que muita gente seja capaz de cantarolar e aplaudir, sem sequer pensar no sentido dos versos. Leitoras, é melhor considerar este assunto a sério.
Por que os cantores de ópera precisam ser capazes de uma emissão sonora elevadíssima? Ora, leitores, porque quando a ópera se desenvolveu, não havia meios elétricos e/ou eletrônicos de amplificação - nada de microfones, portanto. Assim, à medida que a ópera se popularizou, atingiu camadas mais amplas da sociedade, atraindo mais público, os teatros foram ficando maiores, e os cantores e cantoras precisaram ter um vozeirão, coisa não requerida dos cantores líricos de câmara. A técnica desenvolveu-se, e, com ela, a exigência por longo tempo de estudo e preparação, até que um candidato a herói ou heroína dos palcos operísticos estivesse em condições de estrear.
Concluo com esta observação: a ópera, que hoje, como regra, está restrita à apreciação por parte de uma elite musicalmente educada, nasceu como espetáculo artístico destinado a poucos, tornou-se diversão popular, atraindo multidões (com muito ou pouco conhecimento de música), ousou influenciar o comportamento social, mesmo que, circunstancialmente, suscitando verdadeiros escândalos, intrometeu-se até na política e ainda tem adeptos apaixonados. Já não é, contudo, espetáculo para as massas. Perdeu a luta para concorrentes de peso que o Século XX se encarregou de apresentar.


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4 comentários:

  1. Felizmente nos dias atuais esse tipo de evento é mais acessível - pelo menos nas capitais. Aprecio muito espetáculos de Ópera. No Theatro da Paz, em Belém, frequentemente ocorrem de forma gratuita.

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    1. É excelente que seja assim em Belém. Um exemplo para outras cidades.

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  2. Boa tarde minha querida amiga. Confesso que nunca vi uma ópera ao vivo. Mais sou apaixonado por música boa e de qualidade. Um ótimo sábado.

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    1. Quando tiver oportunidade, veja. Você certamente vai gostar.

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