Os leitores deste blog sabem muito bem que os esportes são, atualmente, um grandíssimo negócio, que movimenta montanhas de dinheiro a cada ano. Além disso, malgrado as ideias fundadoras do Barão Pierre de Coubertin, já vão longe os dias em que o estrito amadorismo era exigência para atletas que pretendiam competir nas Olimpíadas. Investir, pois, nos desportos, é quase sempre garantia de bom retorno. Mas, na aurora dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, havia quem duvidasse disso.
O que vem a seguir é uma prova acabada que, por mais inteligente e perspicaz que alguém seja, às vezes não dá pra enxergar o que está à frente. Não é questão de QI - é apenas consequência de estarmos limitados a determinada conjuntura, ao tempo e lugar em que vivemos e que, aliás, nenhum de nós escolhe. Quer ver? O texto abaixo, que transcrevo sem mais comentários, foi escrito por ninguém menos que Machado de Assis, sendo publicado em A Semana, em março de 1895 (portanto, no ano que precedeu a realização da "primeira edição" dos Jogos Olímpicos da Era Moderna). Vejamos:
"Também a arqueologia é ciência, mas há de ser com a condição de estudar as coisas mortas, não ressuscitá-las. Se quereis ver a diferença de uma e outra ciência, comparai as alegrias vivas do nosso Jardim Zoológico com o projeto de ressuscitar em Atenas, após dois mil anos, os jogos olímpicos. Realmente, é preciso ter grande amor a essa ciência de farrapos para ir desenterrar tais jogos. Pois é do que trata agora uma comissão, que já dispõe de fundos e boa vontade. Está marcado o espetáculo para abril de 1896. Não há lá burros nem cavalos; há só homens e homens. Corridas a pé, luta corporal, exercícios ginásticos, corridas náuticas, natação, jogos atléticos, tudo o que possa esfalfar um homem sem nenhuma vantagem dos espectadores, porque não há apostas. Os prêmios são para os vencedores e honoríficos. Toda a metafísica de Aristóteles. Parece que há ideia de repetir tais jogos em Paris, no fim do século, e nos Estados Unidos em 1904. Se tal acontecer, adeus, América! Não valia a pena descobri-la há quatro séculos, para fazê-la recuar vinte." (*)
(*) ASSIS, Joaquim Maria Machado de, em A Semana, GAZETA DE NOTÍCIAS, 17 de março de 1895.
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