Até onde sabemos, a diversificada população indígena que habitava o Brasil antes da chegada dos europeus não tinha o hábito de constituir povoações duradouras, às quais poderíamos dar o nome de cidades. Geralmente nômades, os chamados (erroneamente) índios estabeleciam suas aldeias em áreas promissoras para caça, pesca e coleta, embora a agricultura fosse conhecida e, quase sempre, praticada. Isso, entretanto, não exclui o fato de que algumas vilas e cidades tenham surgido em locais das antigas aldeias indígenas.
Já os portugueses, por um tempo considerável, limitaram-se a estabelecer suas vilas ao longo do litoral, olhando para o relevo e a vegetação como barreiras quase intransponíveis, que só mais tarde foram vencidas, principalmente em nome da busca por metais preciosos. É por isso que Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, escreveu:
"Da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora não houve quem a andasse por negligência dos portugueses, que sendo grandes conquistadores de terras não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos."
Essa expressão, leitor, "andar arranhando ao longo do mar como caranguejos", ficou famosa, e é um retrato curioso e praticamente fiel do que aconteceu no primeiro século da colonização. Lembro que o manuscrito de Frei Vicente do Salvador foi concluído por volta de 1627, quando ele assinala que, em seus dias, era impossível descrever o interior do território brasileiro. A exploração de madeiras nobres foi, nesse período, a atividade econômica vista com mais interesse pelos comerciantes e povoadores lusos.
Acontece que o motivo que reteve os portugueses no litoral podia ser outro - pelo menos é o que diz Pero de Magalhães Gândavo no Tratado da Terra do Brasil, escrito ainda no século XVI:
Acontece que o motivo que reteve os portugueses no litoral podia ser outro - pelo menos é o que diz Pero de Magalhães Gândavo no Tratado da Terra do Brasil, escrito ainda no século XVI:
"Não há pela terra dentro povoações de portugueses por causa dos índios que não o consentem, e também pelo socorro e tratos do Reino lhes é necessário estarem junto ao mar para terem comunicação de mercadorias. E por este respeito vivem todos junto da Costa."
Ainda assim, gradualmente, o interior foi sendo desvendado aos olhos europeus e, nos séculos subsequentes, povoações foram aparecendo ao longo do vasto território do Brasil, mais vasto ainda pela ocupação, por portugueses e seus descendentes, de terras que, pelo Tratado de Tordesilhas, deviam pertencer à Espanha.
Não é meu propósito esgotar o assunto do surgimento de núcleos urbanos no Brasil, mesmo porque os limites de um blog impossibilitariam a empreitada, mas trataremos, nas próximas postagens, de alguns padrões observáveis no surgimento de vilas e cidades. Dentro de um universo já bem conhecido, como são as povoações do litoral, dos antigos aldeamentos indígenas, das áreas de mineração, dos ranchos destinados ao pouso de tropeiros, das capelas e igrejas, dos postos militares de fronteira, das barreiras para cobrança de impostos e das estradas de ferro, elegeremos alguns aspectos para mais considerações.
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