Narrado por Tucídides no Livro IV de sua História da Guerra do Peloponeso, há um episódio que bem pode ser rotulado como verdadeira síntese da perfídia: espartanos, que viviam com medo de uma revolta dos hilotas, a quem dominavam brutalmente, mas de quem dependiam para todo o trabalho na lavoura, base de sua economia, resolveram convocar, dentre eles, todos os indivíduos que se julgavam dignos de respeito porque, indo à guerra com seus senhores esparciatas, haviam se notabilizado pela coragem e pelos bons serviços prestados a Esparta. Subentendia-se que, em virtude desses méritos, os hilotas que comparecessem receberiam, como prêmio, a liberdade. Sim, os que vieram, uns dois mil homens, ao todo, depois de coroados, foram em procissão aos templos da cidade, exatamente como homens livres fariam. Mas não... A ideia era simplesmente testar quem tinha consciência do próprio valor, calculando-se que gente assim seria perfeita para a liderança de uma rebelião. Os supostos libertos desapareceram e nunca mais foram vistos.
Como julgar esta história? Intriga, apenas? Ou horrorosa verdade?
De um lado, foi contada por Tucídides, que, mesmo buscando ser imparcial, era ateniense. De outro, não é difícil admitir que tenha mesmo acontecido, se apenas considerarmos que, sendo capazes de lançar os próprios filhos recém-nascidos em um abismo, caso tivessem algum defeito, não seria demais para os espartanos matar, às ocultas, os servos hilotas, se entendessem que, sendo bons demais como soldados, poderiam liderar um motim de sua gente para que, depois de aniquilados os esparciatas opressores, pudessem, afinal, desfrutar completa liberdade.
Não há provas de que isso tenha mesmo ocorrido. Não há, igualmente, comprovação de que não tenha acontecido. É inegável, todavia, que combina muito bem com o que se sabe sobre Esparta e o modo como era governada. Decidam vocês, meus leitores, se, nesse ponto, desejam crer ou não em Tucídides.
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