quinta-feira, 6 de julho de 2017

Estudantes malcomportados no Império Romano

Aurelius Augustinus era professor de retórica. Hoje não são muitos os estudantes que se dedicam a essa disciplina, mas em Roma ela era muito valorizada, porque qualquer jovem com pretensões a uma carreira intelectual e/ou política precisava aprender a falar de forma clara e persuasiva.
É verdade que Augustinus, o professor, não era, nesse tempo, nenhum candidato à canonização, conforme ele mesmo reconheceria em suas Confissões - só mais tarde é que esse cidadão romano nascido em Tagaste, no norte da África, ficaria conhecido como Santo Agostinho. Dava aulas de retórica porque a remuneração era boa e, portanto, ensinava a seus discípulos toda a argumentação necessária para a defesa de algo ou alguém, independente da honestidade do propósito, que podia ser mesmo a absolvição de um criminoso. A ética, já se vê, acabava em segundo plano (se é que tinha algum espaço). Mas, se o professor não era ainda um santo, seus alunos também estavam longe disso. 
Irritava-se Augustinus com a conduta dos estudantes em Cartago. Eram uns arruaceiros, se devemos crer nele, que andavam de uma sala de aulas para outra, sem grande respeito pelos professores e pelos rapazes mais sérios, que queriam, de fato, estudar. Faziam tais coisas, é claro, na certeza da impunidade.
Acreditando que na velha Roma a conduta dos alunos devia ser melhor, para lá viajou Augustinus, a fim dar prosseguimento à sua carreira docente. Logo se tornou conhecido como professor, ainda que, com desgosto, tenha constatado que a algazarra estudantil não era, ali, menor que em Cartago. Talvez fosse até pior: bandos de estudantes entravam em acordo e, sem pagar o que haviam combinado com um professor, passavam para a escola de outro. Que vergonha!
Nesse momento, o Império Romano estava, já, em franca desagregação, o que talvez explique, ao menos parcialmente, o comportamento desregrado dos estudantes. A conduta dos jovens era, de uma só vez, parte e consequência desse processo. Supõe-se que nos dias de Cícero, por exemplo, nenhum jovem aspirante à carreira política ousaria insultar o professor.
Depois de algum tempo, Augustinus decidiu ir trabalhar em Milão, onde, afinal, aconteceria a mais radical mudança em sua vida. Até ali um adepto do maniqueísmo, começou a tomar real interesse pelo cristianismo (¹), ao ouvir as prédicas do bispo Aurelius Ambrosius (²). Entre o estilo de vida que levava e aquele preconizado pelos cristãos havia uma grande diferença, de modo que, a princípio, Augustinus resistiu à ideia do batismo. Afinal, depois de ser catecúmeno, foi batizado em 387 d.C., abandonando o ensino da retórica para dedicar mais tempo aos assuntos de sua nova fé. Acabava o professor, mas estava nascendo o religioso que, por séculos, ditaria o pensar teológico da Igreja.

(1) Sua mãe já era cristã.
(2) Mais tarde conhecido como Santo Ambrósio.


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4 comentários:

  1. Um nome incontornável, sem dúvida, que se mantém vivo após tantos séculos. Quem sabe se os estudantes mal comportados, que tão mau-estar provocaram em Augustinus, não contribuíram, afinal, para a sua mudança de rumo? :)

    Um bom domingo, Marta :)

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    1. Hahaha, é bem possível. Já imaginou se acontecer o mesmo com todos os professores que há no mundo?

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  2. Ser professor nunca foi nem nunca será fácil. Pelo menos agora os professores sabem o que os espera numa sala de aula.
    Beijinho, boa semana

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    1. Os alunos é que talvez não saibam o que os aguarda kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.

      Tenha uma ótima semana.

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