terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Quanto tempo de mandato?

Quanto tempo um governante deve permanecer no poder? Os povos da Antiguidade, como sabem os leitores, tinham monarcas vitalícios. Se, por um lado, isso conduzia a desmandos absurdos, por outro, era um estímulo para que os descontentes, passando dos pensamentos à ação, contribuíssem para abreviar um reinado - pondo fim à existência do rei, é claro. 
Sabe-se que essa perigosa ciranda do poder durou muito tempo (milênios), mas, gradualmente, a humanidade foi se convencendo de que era melhor negócio ter governantes cujo mandato fosse previamente delimitado. No exercício do poder, a rotatividades de políticos e de seus respectivos partidos é absolutamente essencial à saúde de uma democracia, seja ela presidencialista ou parlamentarista. Apesar disso, houve, e ainda há, quem, sendo eleito para um determinado período de governo, tenha burlado ou, pelo menos, tentado burlar as regras, tudo com a pérfida intenção de permanecer mandando pelo maior tempo possível. A história está repleta de exemplos. É errado dizer, porém, que fulano ou sicrano deu um golpe "para se eternizar no poder", já que não vive neste planeta nenhum ser humano que seja eterno. Eu, pelo menos, desconheço criaturas com esse atributo.
A Constituição brasileira de 1891, primeira dos tempos republicanos, prescrevia, na Seção II, Capítulo I, Art. 43:
"O Presidente exercerá o cargo por quatro anos, não podendo ser reeleito para o período presidencial imediato." 
Vê-se, portanto, que uma mesma pessoa não podia ter dois mandatos consecutivos como presidente, mas nenhum ex-presidente ficava impedido de tentar um novo quadriênio mais tarde. Foi o caso de Rodrigues Alves, presidente entre 1902 e 1906, eleito novamente em 1918, que, todavia, não chegou a tomar posse no cargo, já que foi vitimado pela gripe conhecida como "espanhola".
A Constituição de 1934 determinava uma regra parecida. Basta ver o que dizia no Título I, Seção II, Capítulo I, Art. 37:
"O Presidente será eleito por um quadriênio e não poderá ser reeleito senão seis anos depois de terminado o seu período presidencial."
Ora, já parece um tanto esquisita a possibilidade de reeleição após seis anos, se levarmos em conta que os mandatos eram de quatro. Mas, como sabem os leitores bem-informados, nesse quesito a Constituição de 1934 jamais foi cumprida: Getúlio Vargas, que chegara ao poder na chamada Revolução de 30, articulou um golpe de Estado em 1937 - o do Estado Novo - e permaneceu na presidência até 1945 (¹), tendo, por ocasião do golpe, outorgado uma nova Constituição. Vê-se, pois, que, para garantir eleições e rodízio de mandatários, não basta que haja leis escritas. Elas devem ser cumpridas. Quem tiver a paciência de verificar o que as Constituições subsequentes (1946, 1967, 1988) determinaram e o que de fato aconteceu comprovará facilmente a veracidade desse fato.
Ninguém imagine, porém, que o debate quanto ao que seria um tempo razoável de mandato, que possibilite ao governante "mostrar serviço", sem cair na tentação de permanecer no cargo indefinidamente, seja coisa apenas do Brasil. Abram os olhos, leitores, vejam o que aconteceu e/ou acontece ao redor do mundo, e terão uma lição bastante instrutiva a respeito das tendências humanas, quando o assunto é amor ao poder.

Na República Velha...

Temos aqui um exemplo prático de que o debate sobre a duração do mandato do presidente da República é antigo. Vejam este cartoon que apareceu na revista carioca O Malho, edição de 1º de setembro de 1923 (²):

A legenda superior diz:
"A Reforma
"Assegura-se que um dos pontos da anunciada revisão constitucional é o aumento, para sete anos, do período de mandato do presidente da República." (Dos jornais)"


Na legenda inferior, temos:
"D. Democracia - Boa tarde!... Já vejo que, cada vez mais, andam esquecidos de mim..."

(1) Voltou ao poder em 1951; dessa vez, eleito por voto popular.
(2) O MALHO, Ano XXII, nº 1094, 1º de setembro de 1923. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


Veja também:

2 comentários:

  1. Ainda há muitos com pretensões vitalícias, seja na Presidência da República, seja como chefes do Governo.
    O poder é muito sedutor. Estou muito curiosa para ver o que acontecerá, entretanto, nos EUA. Será que o novo presidente consegue um 2º mandato?
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    Respostas
    1. Acho que, para bem e/ou para mal, este planeta terá tempos emocionantes à frente hahhahaa...

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