terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O preço do açúcar

Fundamental nos primeiros séculos da colonização, a produção açucareira perdeu importância depois da descoberta de jazidas auríferas no interior do Brasil


Querem uma definição de açúcar, leitores? Frei José Mariano da Conceição Veloso, no final do Século XVIII, publicou, em O Fazendeiro do Brasil: "Todos sabem que o açúcar é uma substância sólida, branca, doce, agradável ao gosto, muito usada nas oficinas, cozinhas, e ainda na farmácia para a confecção dos xaropes e preparação de outros remédios, de fácil dissolução na água, à qual dá um sabor agradável, sem lhe comunicar cor ou cheiro." (¹) Não satisfeito, ainda diria: "O açúcar é, sem dúvida, o maior benefício que o homem recebeu da natureza." (²)
Que exagero! E, quanto à última parte, uma completa tolice. No entanto, se levarmos em conta que o religioso pretendia, com seu livro, estimular o desenvolvimento da indústria açucareira nos domínios lusitanos, entenderemos o entusiasmo que procurava demonstrar.
A cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil ainda no Século XVI. Embora haja alguma divergência quanto à sua origem e data de primeiro cultivo, é fato que não foi preciso esperar muito para que os engenhos de açúcar viessem a ser a principal força da economia brasileira, ao menos nos dois primeiros séculos de colonização (³).
A prioridade atribuída à produção açucareira pode ser facilmente explicada: o açúcar do Brasil não dificultava a comercialização de nenhum produto do Reino, sua venda obtinha preços compensadores na Europa e, nos primeiros tempos, a concorrência não era muito grande. Alie-se a tudo isso o fato de que a cana-de-açúcar encontrou, em algumas áreas do Brasil, as melhores condições de clima e solo para seu desenvolvimento, e ter-se-á um panorama que justifica muito bem a estima de que desfrutava como elemento a proporcionar riqueza, quer para os senhores de engenho no território colonial, quer para os comerciantes na Europa.
No entanto, o livro de Frei José Mariano da Conceição Veloso tinha, como já foi dito, o objetivo de melhorar a produção açucareira e as técnicas de refino do açúcar. Foi ele buscar inspiração nas práticas adotadas em colônias francesas, uma evidência de que, em seus dias, os métodos empregados no Brasil já eram tidos por ultrapassados Em lugar de um incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias, quase sempre a mania era copiar (ou tentar copiar) o que outros faziam com sucesso.

No Século XX...

Este cartoon apareceu na revista carioca O Malho, edição de 1º de setembro de 1923 (⁴). A ideia, como se vê, era satirizar o preço do açúcar, que andava pelas alturas, "açu-caríssimo":


Diz a legenda:
"JECA - Então, "seu" Cardoso?
CARDOSO - Horrível, Jeca. À proporção que ele sobe, vai perdendo aquelas virtudes adocicadas. É melhor importar beterraba..."

(1) VELOSO, Frei José Mariano da Conceição. O Fazendeiro do Brasil  Tomo I, Parte II. Lisboa: Oficina de Simão Tadeu Ferreira, 1799, p. 1.
(2) Ibid., p. 383.
(3) A descoberta de jazidas auríferas, as chamadas "Minas Gerais", provocou uma grande crise no setor açucareiro.
(4) O MALHO, Ano XXII, nº 1094, p. 17. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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