sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Livros proibidos

Publicar livros, assim, à vontade, é coisa das sociedades democráticas. Certo, cada um é responsável, inclusive legalmente, pelo que escreve. Mas não há nenhuma instância que deva, obrigatoriamente, autorizar a impressão e venda, antes que uma obra qualquer seja dada ao público.
Ora, nesse sentido, as coisas já foram bem difíceis. Havia, antes de mais nada, o Index Librorum Prohibitorum, ou seja, a lista de livros, atualizada periodicamente, cuja leitura era vedada aos católicos. Com isso, nos países que eram oficialmente de religião católica, a circulação dos livros constantes no Index era proibida. Infratores eram punidos com toda a severidade.
Ao longo dos séculos (¹), o Index variou bastante, mas nele constaram, como seria óbvio, as obras dos reformadores Lutero, Calvino e companhia, bem como escritos dos homens de ciência que bateram cabeça com autoridades eclesiásticas (Galileu, Copérnico, Giordano Bruno...), gente do Iluminismo (Rousseau, Diderot, Voltaire, Montesquieu, por exemplo) e até figuras universalmente reconhecidas na Literatura (como E. Zola, Victor Hugo, Flaubert e muitos outros).
Ora, senhores leitores, querem descobrir por si mesmos as razões que teriam levado tantos livros ao listão dos proibidos? Podem correr os olhos por suas páginas (²). Hoje, isso é possível, ninguém impede ou proíbe. Talvez, por isso mesmo, é que relativamente pouca gente se dá ao trabalho de cultivar a leitura.
Lista de livros proibidos publicada em
Portugal no ano de 1551 (³)
Mas não era apenas por questões religiosas que um livro podia ser impedido de circular. Havia também a censura das autoridades seculares. No caso de Portugal e de suas colônias, o regulamento era estipulado pelas Ordenações do Reino, no Livro Quinto, Título CII:
"Por se evitarem os inconvenientes que se podem seguir de se imprimirem em nossos Reinos e Senhorios ou de se mandarem imprimir fora deles livros ou obras feitas por nossos vassalos, sem primeiro serem vistas e examinadas, mandamos que nenhum morador nestes Reinos imprima, nem mande imprimir neles nem fora deles obra alguma, de qualquer matéria que seja, sem primeiro ser vista e examinada pelos desembargadores do Paço, depois de ser vista e aprovada pelos oficiais do Santo Ofício da Inquisição. E achando os ditos desembargadores do Paço, que a obra é útil para se dever imprimir, darão por seu despacho licença que se imprima, e não o sendo, a negarão. E qualquer impressor livreiro, ou pessoa que sem a dita licença imprimir ou mandar imprimir algum livro ou obra, perderá todos os volumes que se acharem impressos, e pagará cinquenta cruzados, a metade para os cativos e a outra para o acusador." (⁴)
Finalmente, deve-se acrescentar que, mesmo que um livro fosse autorizado tanto pelo Desembargo do Paço quanto pelo Santo Ofício da Inquisição, sendo desse modo impresso e posto à venda, podia, posteriormente, ser proibido. Toda a edição era, então, confiscada e destruída. Foi o sucedeu  ao famosíssimo Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, de André João Antonil. Qual o motivo? Simplesmente porque só depois da publicação é que as autoridades portuguesas perceberam que a obra "falava demais", dava imensa quantidade de informações sobre o Brasil Colonial, de modo a despertar a cobiça de outras potências europeias. Pouquíssimos exemplares escaparam à destruição.

(1) O Index Librorum Prohibitorum existiu desde a segunda metade do Século XVI até nada menos que 1966.
(2) A dificuldade estaria, talvez, em encontrar alguns títulos, que não veem uma edição há muito tempo.
(3) O original pertence ao acervo da BNDigital; a  imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) De acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.


Veja também:

3 comentários:

  1. Interessante. Ou seja, a obra era moral e diplomaticamente correcta, mas podia atrair interesses de outras potências europeias em expansão...
    Encontrou algum exemplar dessa obra de André João Antonil?
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    P.S. Porque não retira esse capcha chato? Já tem a moderação de comentários activa... eu erro muitas vezes na primeira tentativa, vá-se lá saber porquê!

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    Respostas
    1. 1) Tenho uma edição digital, fac-símile da original. Há algumas edições brasileiras atuais.
      2) Vou ver o que se pode fazer com o "capcha chato" - o problema é que ele é uma garantia de identificação de quem comenta, e a legislação brasileira é um tanto complicada nesse sentido.

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    2. Atendendo ao seu pedido, vou fazer uma experiência: deixo, por hora, que os comentários sejam feitos sem verificação de palavras ("capcha chato"...). Devido ao conteúdo do blog, sempre aparece algum engraçadinho tentando deixar comentários de caráter preconceituoso, mas vamos ver o que acontece.

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