Tem-se às vezes a ideia, pela leitura de obras convencionais de História do Brasil, que os escravos, independente de sua origem ou cor, foram elementos secundários na sociedade enquanto durou a escravidão. No entanto, não poderia haver pensamento mais equivocado. A despeito da condição de subordinados que o trabalho servil lhes impunha, os escravos foram absolutamente decisivos para que o Brasil fosse o que é e como é hoje. Vejamos:
1. Indígenas escravizados mostraram aos brancos (bandeirantes) rotas em direção ao interior, naquilo que, aos olhos dos europeus, parecia somente um oceano temível de florestas impenetráveis.
2. Africanos (chamados "da Guiné") conheciam técnicas de extração do ouro de córregos que ensinaram aos bandeirantes. Sem isso, suas buscas por metal precioso teriam ficado restritas a esgaravatar o solo com pedaços de pau.
Escrava, segundo Thomas Ender (*) |
4. Escravos africanos ou indígenas predominavam entre os remadores das canoas e batelões monçoeiros.
5. Nas bandeiras (que, ao contrário das monções, seguiam principalmente por terra), a matalotagem era, via de regra, carregada por escravos.
6. Nas minas, a maior parte do trabalho era sempre feita por escravos.
7. Antes do início da imigração europeia para o Brasil, praticamente todo o trabalho nas fazendas de café era feito por escravos negros.
8. Trabalhadores escravos ergueram quase todas as construções de edifícios públicos e religiosos durante o período colonial e parte considerável do Império. Desnecessário é dizer que, aquelas dentre essas construções que foram preservadas, são hoje um valioso patrimônio que atrai turistas do mundo inteiro e constituem-se em evidência da capacidade da mão de obra cativa empregada em sua edificação.
9. Lavouras de subsistência eram cultivadas frequentemente com emprego de mão de obra cativa, quer de índios, quer de africanos ou seus descendentes, o que resulta na conclusão de que o alimento que chegava à mesa da população era produto, em grande parte, de trabalho escravo.
10. A maior parte do trabalho doméstico era feito por escravos - ou escravas - porque até mesmo os mais pobres de condição livre consideravam indispensável ter pelo menos um cativo para fazer o trabalho "sujo e pesado".
Fica, pois, estabelecida aqui, a enorme contribuição dada pelos escravizados, fossem de origem indígena ou africana, ainda que a lista acima seja apenas parcial. Por outro lado, leitor, tudo isso contribuiu para a formação do conceito errôneo de que trabalhar era coisa de escravo, o que redundou em severas consequências na sociedade brasileira, até mesmo a longo prazo. Embora o tema central fosse outro, já abordei a questão na postagem "Do desprezo pelo trabalho ao orgulho profissional: uma proposta de revolução no ensino técnico". Creio que vale a pena refletir sobre o assunto.
(*) Os originais pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional; as imagens foram editadas para facilitar a visualização neste blog.
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