terça-feira, 27 de setembro de 2011

Os escravos mais infelizes em um engenho colonial de cana-de-açúcar

Na lavoura canavieira trabalhava-se sob a supervisão impiedosa de um ou mais feitores desde que o dia amanhecia até sol posto; nas moendas, o risco de mutilação era constante, até porque, em época de safra, a cana era triturada ininterruptamente, ou seja, durante as vinte e quatro horas do dia, o que significava longas jornadas de trabalho em péssimas condições de iluminação, com o uso de equipamentos muito perigosos; sobre a casa das fornalhas, podia-se bem dizer que era o inferno em miniatura. Seriam os escravos que trabalhavam nesses lugares os mais infelizes dentro de um engenho colonial de cana-de-açúcar?
Se acreditarmos em Antonil e no que escreveu em Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas, a resposta é um categórico não. Disse ele, em referência ao escravo que tinha a incumbência de amassar o barro usado na casa de purgar e aos que abasteciam de lenha, continuamente, as fornalhas:
"... os outros escravos, que cortam e trazem e cana, e os que obram na moenda, nas caldeiras, nas tachas, na casa de purgar e nos balcões, sempre têm em que petiscar, e só este miserável e os que metem a lenha nas fornalhas passam em seco. E ainda que depois todos tenham sua parte na repartição da garapa, contudo sentem muito o trabalho sem este limitado alívio entre dia." (*) 
É verdade que, via de regra, distribuía-se garapa a todos os trabalhadores do engenho, escravos ou livres. Mas, no entender do jesuíta Antonil, para alguns escravos a jornada de trabalho era especialmente penosa, porque viviam sob a tortura de não terem um petisco aqui e ali para aliviar o cansaço, o que mostra-se ainda mais grave diante do fato de o próprio Antonil ter anotado que, em alguns engenhos, as condições de alimentação dos escravos eram muito precárias. Isso não impediu que,  em observação imediatamente posterior, registrasse um comovente exemplo de solidariedade, além de óbvia esperteza, mesmo sob os rigores da escravidão:
"Mas não faltam parceiros que se compadeçam da sua sorte, dando-lhes já uma cana, já um pouco de mel, ou de açúcar; e quando faltasse nos outros a compaixão, não faltaria a eles indústria, para buscarem seu remédio, tirando donde quer quanto podem." (*)

(*) ANTONIL, André João (Giovanni Antonio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, 1711, pp. 81 e 82.


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