Escravo carregador (²) |
Nada disso. Eram escravos, próprios ou contratados, que faziam o transporte de todas as tralhas que deviam mudar de lugar, evidência inequívoca do atraso técnico e dos costumes na capital do Império, e não só nela, mas em quase toda povoação no Brasil desse tempo. Um autor empenhado na luta abolicionista, Frederico Leopoldo César Burlamaqui, escreveu, em obra publicada no ano de 1837 (¹):
"[...] Causa riso ver nas ruas da capital, a mais polida cidade e a mais adiantada do Império, trinta ou quarenta escravos conduzindo em grande algazarra outros tantos fardos às cabeças, quando um só carro puxado por uma ou duas parelhas de bestas faria o mesmo serviço com dobrada celeridade e metade da despesa! Causa nojo ver uma enorme e informe zorra levar, em quatro ou cinco horas e a pouca distância, uma única pipa, que dez ou doze negros arrastam penosamente por cima de calçadas [...], destruindo de contínuo as ruas e ameaçando estropiar os viandantes, quando um carro convenientemente construído poderia levar seis ou oito destas pipas em alguns minutos e com dobrada celeridade a grandes distâncias! [...]" (³)Duas décadas mais tarde, o pintor francês Auguste François Biard (⁴) observou o mesmo procedimento para a realização de uma mudança no Rio de Janeiro:
"[...] Logo que cheguei aqui (⁵) tive de interromper, um dia, o que estava fazendo, impelido pela curiosidade; ouvira uns sons estranhos de uma ponta à outra da rua; era apenas uma mudança. Cada negro conduzia um móvel, grande ou pequeno, leve ou pesado, conforme a sorte de cada um; e esses carregadores executavam sua tarefa obedecendo a um certo ritmo, entoando um canto, gutural por vezes, em que uma ou duas sílabas eram repetidas. Havia alguns que transportavam barris vazios três vezes maiores que as suas pessoas, e no fim de tudo vinha um piano de cauda carregado por seis homens, em duas filas. [...]" (⁶)Seria até pitoresco, não fosse o fato de que, afinal, era mais um aspecto da exploração da força de trabalho dos escravizados. Quem se preocuparia em encontrar algum modo mais razoável de se fazer uma mudança se havia escravos para isso? Somente a abolição definitiva do trabalho escravo poria fim a tamanho absurdo.
(1) Acredita-se que a Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica tenha sido escrita por volta de 1834.
(2) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 94. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) BURLAMAQUI, Frederico Leopoldo César. Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica. Rio de Janeiro: Tipografia Comercial Fluminense, 1837, p. 120.
(4) Viajou pelo Brasil entre 1858 e 1859.
(3) BURLAMAQUI, Frederico Leopoldo César. Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica. Rio de Janeiro: Tipografia Comercial Fluminense, 1837, p. 120.
(4) Viajou pelo Brasil entre 1858 e 1859.
(5) No Rio de Janeiro.
(6) BIARD, Auguste François. Dois Anos no Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 46.
(6) BIARD, Auguste François. Dois Anos no Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 46.
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