quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Como o líder da Revolta de Beckman foi preso

Era o ano de 1685, e estava em curso a investigação - a "devassa", como então se dizia - sobre a rebelião que ficou conhecida como Revolta de Beckman, no Maranhão. Ao estilo da época, o governador, que pretendia ver preso e justiçado rapidamente Manuel Beckman, o líder do movimento, fez passar bando pela cidade de São Luiz e adjacências, com promessa de recompensas a quem denunciasse onde se escondia, além de ameaças severas contra quem lhe desse abrigo.
Ora, Beckman era um sujeito respeitado, e a revolta por ele liderada tivera a participação de muita gente importante, que também detestava a presença dos jesuítas com sua eterna insistência em combater a escravização de indígenas, e que se sentia igualmente prejudicada pela política da Metrópole na concessão de monopólios. Mesmo com tantas ameaças, quem é que teria a coragem de denunciá-lo? 
De acordo com os Anais Históricos do Estado do Maranhão, de Bernardo Pereira de Berredo, Manuel Beckman foi preso e entregue às autoridades por ninguém menos que um seu afilhado, a quem muito estimava. O motivo seria uma das promessas feitas pelo governador, que atraiu a cobiça do rapaz:
"Havia na cidade de S. Luís um Lázaro de Melo, moço de pouca honra, ainda que contava a dos privilégios de cidadão. Tinha sido pupilo do Beckman, e era seu afilhado, mas desprezando tudo a vileza do ânimo, de que se compunha, buscou o tal padrinho na sua fazenda [...] onde sabia bem que ele se ocultava, só com o interesse de granjear pela sua prisão a Companhia das Ordenanças da Nobreza, também um dos prêmios oferecidos nos bandos do governador [...]." (¹)
Por imaginar que Lázaro de Mello jamais iria traí-lo, Manuel Beckman concordou em recebê-lo em seu esconderijo. Com a ajuda de comparsas, o afilhado amarrou e acorrentou o padrinho e, depois, entregou-o ao governador, que segundo Berredo, ficou enojado com a traição. Não obstante, no cumprimento dos deveres do cargo, fez a Lázaro de Melo a concessão do posto que pretendia:
"[...] com a mais prudente dissimulação satisfez a promessa do seu bando, mandando-lhe passar a patente de capitão da Companhia da Nobreza, que lhe ficou sendo tão afrontosa, que intentando marchar para a função da posse, não houve um só homem dos alistados nela que quisesse segui-lo [...]." (²)
Em conformidade com a legislação da época, Manuel Beckman foi enforcado. Quanto a Lázaro de Mello, ainda de acordo com Berredo, teve morte semelhante, por acidente, alguns anos mais tarde:
"[...] além de lhe granjear a sua aleivosia um universal ódio, se enforcou por desgraça, depois de alguns anos, em uma engenhoca de fazer aguardente, acabando a vida também de garrote [...]." (³)

(1) BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais Históricos do Estado do Maranhão Livro XIX. Lisboa: Oficina de Francisco Luiz Ameno, 1749, p. 622. 
(2) Ibid., p. 623.
(3) Ibid., p. 625. 


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