quinta-feira, 13 de julho de 2023

Meio de transporte usado pelas mulheres dos senhores de engenho quando iam à missa

Documento importante para a compreensão quanto ao modo de vida no Nordeste brasileiro por volta do começo do Século XVII, a obra Diálogos das Grandezas do Brasil (¹) inclui a informação de que as mulheres dos senhores de engenho, quando saíam de casa para ir à missa ou para visitar parentes, não tinham por hábito colocar os pés no chão, e muito menos andar a cavalo: iam sentadas em uma rede que, por sua vez, era carregada por escravos. Ingrata tarefa, a deles! No Diálogo Sexto, Brandônio afirma:
"[...] As mulheres [dos senhores de engenho] se trajam muito bem e custosamente, quando vão fora, caminham em ombros de escravos, metidas dentro de uma rede." (²)
Alviano, com certa estranheza, retruca:
"E não fora melhor em cadeira, ou em palanquim, como os da Índia [sic]?" (³)
Pacientemente, Brandônio explica:
"Não, porque a rede é excelente para se andar nela por caminhos e da cadeira seria trabalhoso usar-se, com respeito que sucedem estarem as igrejas desviadas, e da mesma maneira as visitas que fazem às suas amigas e parentas; também costumam levar consigo, para seu acompanhamento, além dos homens que levam de pé ou de cavalo, duas ou três escravas do gentio da Guiné ou da terra, que se não desviam de ir sempre ao redor da rede, a que acomodam uma alcatifa por baixo." (⁴) 
Notando, de passagem que alcatifa é uma espécie de tapete, é relevante que as redes fossem preferidas porque os caminhos eram precários, em particular em regiões rurais, onde estavam os engenhos. Mas o que acontecia à gente importante que residia nas maiores povoações pela mesma época? 
Nas cidades, a elite econômica, à medida que o processo de colonização se consolidou, tornou-se adepta das cadeirinhas de arruar, algumas delas bastante luxuosas. Uma menção a elas por José de Alencar, em As Minas de Prata, obra do Século XIX, mas ambientada no começo do Século XVII, a mesma época a que se referem os Diálogos, diz: "[...] a igreja enchia-se de fiéis, e no adro viam-se já as cadeirinhas e palanquins que traziam à missa as donas e filhas dos ricos senhores da Bahia". Nada surpreendente, se considerarmos que ir à missa, para além de um dever religioso, era oportunidade para contato social, e ouvir sermões era uma diversão muito apreciada, então.
Concluindo, deve-se observar que, nesse cenário, as cadeirinhas de arruar e palanquins de luxo acabavam sendo mais um instrumento para ostentar o poderio derivado da riqueza que o açúcar proporcionava, diante dos olhares admirados da gente miúda que, à margem, nas ruas, tudo observava. As redes, porém, não caíram em desuso tão cedo - continuaram em serviço em algumas localidades, carregadas por escravos, até mesmo nos dias do Império, como meio de transporte - se é que, de fato, merecem esse nome.

(1) A autoria é atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 297.
(3) Ibid.
(4) Ibid. 


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2 comentários:

  1. O que as senhoras passavam em prol do conforto e da posição social. Contudo, muito pior passavam os escravos.
    Obrigado por estes relatos, Marta, muito importantes para a compreensão do modo de vida daquele tempo.

    Fique bem :)

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    1. Será que poderíamos dizer que elas eram coniventes com o que se fazia? Ou, afinal, eram apenas mais um dos elementos da engrenagem social, de que simplesmente não podiam escapar?

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