quinta-feira, 20 de julho de 2023

Cincinato e os romanos que aravam com bois

Homem arando a terra com bois, imagem do Século XVI (²)
Os antigos romanos, desde tempos remotos, conheciam o uso do arado. Desse instrumento agrícola e dos bois que o puxavam dependia o preparo da terra que seria cultivada. De acordo com Lúcio Júnio Moderato (mais conhecido como Columella) (¹), no Livro II de Res rustica, os bois nunca deviam ser levados à manjedoura quando cansados e suando. Nada de apressar animais tão úteis, portanto, para encerrar logo o trabalho do dia! Quando já estivessem tranquilos, podiam receber alguma comida, não de uma só vez, mas pouco a pouco (exercício de paciência para os lavradores). Depois disso, deviam ser levados a beber água livremente e, afinal, podiam comer quanto quisessem. Como os bois eram parte importante do patrimônio de um fazendeiro romano, esperava-se que cuidasse deles quase com devoção. 
Bem, meus leitores, essa devia ser a rotina diária de um dos grandes nomes do patriciado romano dos primitivos tempos da República, Lúcio Quíncio Cincinato (³), figura que parecia encarnar os ideais de trabalho e simplicidade que os autores de Roma professavam valorizar, mas que, ao menos no final da República e já nos dias do Império, foram quase completamente esquecidos. Um episódio da vida de Cincinato ilustra perfeitamente a questão, e foi assim descrito por Aneu Floro (⁴) no Livro I de Rerum Romanarum:
"Équos e volscos foram derrotados por Lúcio Quíncio [Cincinato], que passou de agricultor a ditador, e com suprema coragem libertou o acampamento do cônsul Marco Minúcio, que estava sob cerco e quase derrotado pelo inimigo. Era estação de plantio quando o lictor (⁵) encontrou o patrício trabalhando com o arado. Foi ao acampamento e, para não interromper as ocupações habituais, passou os derrotados sob o jugo, como se fossem animais de carga. Finda a expedição, o agricultor triunfante voltou aos seus bois [com o arado]. [...] Foram apenas quinze dias entre, feito ditador, fazer a guerra, vencer e retornar ao seu trabalho [no campo]." (⁶)

A Roma dos dias de Cincinato não era, ainda, grande coisa. As transformações sociais decorrentes da expansão militar, contudo, fizeram dela um império. Teria sido o preço demasiadamente alto? 

(1) Autor romano do Século I. 
(2) GESNER, Conrad. Icones Animalium Quadrupedum Viviparorum et OviparorumZürich: Christof Froshover, 1560, p. 10. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) c. 519 a.C. - c. 430 a.C.
(4) Viveu entre os Séculos I e II, e foi contemporâneo do imperador Adriano.
(5) Funcionário público enviado para informar Cincinato quanto à situação das forças romanas. 
(6) FLORO, Rerum Romanarum, Livro I. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.



Veja também:

5 comentários:

  1. Muito interessante essa interação do lavrador com os bois.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa noite, Wendell, como está?
      Interação com os bois e com a política, não? Eram parte de um mundo agrário, que nós, seres urbanos, talvez até tenhamos alguma dificuldade em compreender, mas que eles dominavam muito bem.

      Excluir
  2. - Espera aqui que eu já venho - disse Cincinato para a mulher.
    E assim foi. Chegou ao campo de conflito e, em duas penadas, resolveu tudo a contento da ordem pré-estabelecida.
    Aquando do regresso, e já recomposto da interrupção da sua rotina, limitou-se a dizer à esposa:
    - Traz os bois, que até ao fim do dia ainda há muito por fazer.

    Percebe-se a intenção, mas este relato de Aneu Floro parece de compêndio de feira, Marta. Não acha? :)

    Fique bem. Uma bom resto de terça-feira! :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo, é diferente do estilo que hoje apreciamos. Mas pense que, na Antiguidade, o material para escrita (papiro ou pergaminho) era dispendioso. Por isso, os autores deviam ser concisos. Perdia-se a graça dos detalhes, mas assim é que se economizava a mídia da época.

      Excluir
    2. Tive uma ideia: por que não pensa em gastar algum tempo "reescrevendo" algumas das obras célebres da Antiguidade e Medievo, de um jeito mais ameno que aquele dos sisudos gregos e romanos? Iríamos achar maravilhosa a leitura.

      Excluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.