quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Por que os colonizadores não queriam índias idosas como escravas

Em seu Tratado da Terra do Brasil, escrito no século XVI, Pero de Magalhães Gândavo em nada se esforça para encobrir o fato de que os colonos, sempre que podiam, escravizavam os povos indígenas. Entretanto, faz uma ressalva. Em geral, os colonos não compravam índias idosas como escravas. Por quê?
Não é que as considerassem menos aptas ao trabalho. A razão era outra:
"Todos seguem muito o conselho das velhas, tudo o que elas lhes dizem fazem e têm-no por muito certo: daqui vem muitos moradores não comprarem nenhumas por lhes não fazerem fugir seus escravos." (¹)
Como sucede em muitas culturas, também entre os índios não era incomum que as mulheres idosas fossem as guardiãs das tradições da comunidade. Consideradas mais sábias, em razão da idade e consequente acúmulo de experiência, eram vistas como boas conselheiras, e suas opiniões eram importantes para as respectivas tribos. Ora, se escravizadas, eram elas quem, muitas vezes, incitavam os cativos a que simplesmente... fugissem! Afinal, eles conheciam bem o território (o que já não acontecia com os colonizadores) e tinham grande probabilidade de escaparem em definitivo aos seus captores. Pero de Magalhães Gândavo assim retrata as fugas de índios escravizados, salientando ser isso, segundo seu ponto de vista, uma causa de não prosperar ainda mais a Colônia: "... se estes índios não foram tão fugitivos e mudáveis, não tivera comparação a riqueza do Brasil." (²)
Entende-se, assim, que, lamentavelmente, a escravidão como sistema de trabalho estava dada como pressuposto em toda a lógica do colonialismo. Diante das fugas nada ocasionais dos nativos, o próprio Gândavo sugeriu que era mais vantajoso ter escravos africanos que índios, ao informar que, em seus dias, já havia no Brasil um número significativo de cativos "da Guiné":
"E assim há também muitos escravos de Guiné: estes são mais seguros que os índios da terra porque nunca fogem nem têm para onde." (³)
O tempo mostraria, porém, que Gândavo, ao menos neste aspecto, estava errado. Os escravos de origem africana também fugiam.

(1) GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2008, p. 69.
(2) Ibid., p. 53.
(3) Ibid., p. 54.


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