quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Mercadores no Brasil Colonial

Esta postagem é para quem acha que só senhores de engenho é que enriqueciam no Brasil Colonial. Não, eles não eram os únicos endinheirados (¹). Mercadores, ligados de alguma forma à economia açucareira, também se saíam muito bem, com a vantagem de que, graças à atividade que exerciam, ainda conseguiam juntar dinheiro amoedado, coisa rara no Brasil da época.
Mas, indo direto ao assunto, havia, como regra geral, dois tipos principais de mercadores, os que compravam e vendiam em comércio internacional e os que abriam lojas nas povoações maiores. Disso sabemos pelo que se lê em Diálogos das Grandezas do Brasil (²), obra escrita no começo do Século XVII. Primeiro, vejamos o caso dos mercadores que faziam comércio em larga escala:
"Muitos homens têm adquirido grande quantidade de dinheiro amoedado e de fazenda no Brasil, posto que os que mais se avantajam nela são os mercadores que vêm do Reino para esse efeito, os quais comerciam por dois modos, de que um deles é que vêm de ida por vinda, e assim depois de venderem as suas mercadorias fazem o seu emprego em açúcares, algodões e ainda âmbar muito bom e gris, e se tornam para o Reino nas mesmas naus em que vieram ou noutras. [...]" (³)
Agora, o segundo tipo de mercadores, aqueles que se estabeleciam no Brasil para atender à procura por artigos de luxo entre a elite colonial:
"[...] O segundo modo de mercadores são os que estão assistentes na terra com loja aberta, colmadas de mercadorias de muito preço, como são toda sorte de louçaria, sedas riquíssimas, panos finíssimos, brocados maravilhosos, que tudo se gasta em grande cópia na terra, com deixar grande proveito aos mercadores que os vendem." (⁴) 
Talvez, prudentemente, devamos admitir algum exagero por parte do autor dos Diálogos, mas sabe-se que em Pernambuco e na Bahia a gente próspera fazia questão de ostentar a riqueza que tinha, sempre que havia oportunidade para isso. 
Além desses dois grupos principais, havia um terceiro grupo de mercadores, que fazia comércio em menor escala, tendo por costume a prática de preços elevadíssimos. As vendas ocorriam, não em lojas estabelecidas, mas indo o mercador aos lugares no interior em que houvesse gente interessada em comprar, e não é difícil imaginar a brusca mudança na rotina da casa-grande de um engenho quando um desses mascates fazia súbita aparição. Lê-se, ainda em Diálogos das Grandezas do Brasil:
"Há muitas pessoas que vivem somente como se fossem riquíssimas, comprando estas fazendas (⁵) aos mercadores assistentes nas vilas ou cidades, e tornando a vender pelos engenhos e fazendas (⁶) que estão dali distantes, ganhando muitas vezes nelas mais de cem por cento. [...]" (⁷) 
Portanto, se estavam dispostos a pagar, os senhores de engenho não tinham motivo para queixa quanto aos preços aberrantes praticados pelos mascates. Concordam, leitores?

(1) Ainda que dinheiro amoedado, mesmo, houvesse muito pouco em circulação, e, pelo que se lê no texto acima, é fácil deduzir pelo menos uma das razões para essa carência.
(2) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(3) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 170.
(4) Ibid. 
(5) Neste caso a expressão se refere a mercadorias em geral, e não a grandes extensões de terra.
(6) Propriedades agrícolas.
(7) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Op. cit., p. 171.


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