quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

A guarda pessoal de Rômulo

Parece que povos da Antiguidade tinham certa afeição pelo número 300, quando se tratava de designar um grupo de heróis de guerra, gente capaz de proezas inimagináveis nos campos de batalha. Quem não se lembra do bíblico Gideão (¹) que, com apenas trezentos soldados, venceu um exército numerosíssimo de saqueadores nômades que infestavam o território dos hebreus? O sucesso dos trezentos de Gideão acabou despertando a coragem entre os indecisos que, em consequência, se uniram a eles para expulsar os invasores.
A Grécia teve também os seus trezentos ao lutar contra os persas na Batalha das Termópilas. Eram espartanos, sob o comando do rei Leônidas (²), que procuraram deter a passagem do exército persa pelo desfiladeiro das Termópilas, e ali mesmo, depois de luta sangrenta, tombaram. De acordo com Heródoto, Leônidas dispensou aqueles que não fossem capazes de lutar e morrer com honra e, por isso, muitos gregos, percebendo que, se ficassem iriam morrer, resolveram voltar às respectivas cidades. Permaneceram, além dos famosos trezentos de Esparta, os tespienses (de livre vontade), e os tebanos (a quem Leônidas conservava quase como reféns). Não eram só trezentos, portanto! 
No relato de Heródoto (³) em Histórias é dito que "[...] estando as lanças de quase todos os espartanos já embotadas na fúria da luta, foram, com a espada, matando muitos persas e, nesse combate, Leônidas, lutando com bravura, tombou, além de muitos outros espartanos, tanto entre os renomados como entre os desconhecidos [...]" (⁴). Em memória dos que ali morreram, foi, naquele lugar, colocada, ainda em conformidade com Heródoto, a seguinte inscrição: "Quatro mil habitantes do Peloponeso lutaram sozinhos aqui, contra três milhões de persas" (⁵). É preciso reconhecer que havia, nessa homenagem, certo exagero. Em memória dos espartanos - os trezentos -, outra inscrição dizia, na suposição de que seria lida por alguém que, mais tarde, passasse pelo mesmo lugar: "Amigo, conte aos lacedemônios que foi em obediência à sua ordem que aqui caímos" (⁶). Nada poderia ser mais típico de Esparta.
Roma não ficou sem os seus trezentos. No dizer de Plutarco (⁷) em Vitae parallelae, Rômulo, o fundador lendário da cidade, instituiu para si uma guarda pessoal com trezentos homens: "Rômulo determinara a existência de uma guarda pessoal com trezentos homens [...], porque, sendo autoritário e muitas vezes injusto, temia o ódio de seus concidadãos, e [...] quis estar rodeado por trezentos homens, cuja responsabilidade fosse sua segurança pessoal" (⁸).
Que belo rei tinham os primeiros romanos! Mas, supondo que Rômulo tenha mesmo vivido na época que presumiam os autores da Antiguidade, será que poderia ter uma guarda, tal qual a descrita por Plutarco?
Não é muito provável. Se os primeiros romanos eram tão poucos, a ponto de terem chegado a raptar mulheres para que a população da cidade não se extinguisse, dificilmente haveria trezentos homens disponíveis para compor a guarda do rei, quando a maioria das pessoas precisava trabalhar arduamente na lavoura e no pastoreio, a fim de garantir a sobrevivência. 
Mas, fosse a guarda de Rômulo composta por trezentos, ou apenas por meia dúzia de valentões, Numa Pompílio (⁹), o segundo rei de Roma, tratou, como primeiro ato de seu governo, de extingui-la. Para Numa, não era bom que um rei desse a seus súditos a impressão de que desconfiava deles, ao se fazer cercar por uma guarda. São "os maus governantes", afirmou Plutarco, os que "vivem sob contínuas suspeitas, por se tornarem tiranos, pondo de lado a justiça" (¹º).

(1) Cf. Judicum VII.
(2) Havia dois reis em Esparta. Era uma diarquia, portanto. 
(3) 485 - 425 a.C.
(4) HERÓDOTO. Histórias, Livro VII. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias
(5) Ibid. 
(6) Ibid.
(7) c. 45 - 125 d.C.
(8) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias
(9) Outro dentre os chamados "reis lendários" de Roma, pela insuficiência das fontes sobre seu governo e a época em que se supõe que tenha vivido. 
(10). PLUTARCO. Op. cit. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


Veja também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.