terça-feira, 9 de maio de 2017

O que se devia fazer quando não havia açúcar (e, por consequência, faltava dinheiro)

Conselho do padre Antônio Vieira para um momento de crise econômica


A população da Cidade da Bahia (Salvador) era famosa, nos tempos coloniais, por amar a ostentação, tanto no vestuário quanto no luxo das casas. Isso era possível porque a produção e a exportação de açúcar eram bastante lucrativas, ainda que quem mais ganhasse com a indústria açucareira não estivesse em solo brasileiro.
Entretanto, na penúltima década do Século XVII, uma epidemia (¹) que levou muita gente à morte (e, portanto, também muitos escravos), fez declinar temporariamente o cultivo da cana. Não havendo cana para moer, os engenhos não podiam produzir açúcar e, não havendo açúcar para exportar, nada de dinheiro - nem para as necessidades básicas, menos ainda para o supérfluo. Os sobreviventes estavam mesmo em má situação (²).
Que fazer?
O padre Vieira, que era tão hábil no emprego da pena de escrever quanto no uso da língua em seus afamados sermões, propôs uma solução, conforme se vê em uma carta datada de 13 de julho de 1689:
"Este ano deixarão de moer muitos engenhos, e no seguinte haverá muito poucos deles que se possam fornecer. Aconselham os mais prudentes que se vista algodão, se coma mandioca, e que na grande falta que há de armas (³), se torne aos arcos e flechas, com que brevemente tornaremos ao primitivo estado dos índios, e os portugueses seremos brasis (⁴)." (⁵)
Que dizem os leitores: serviria a mesma ideia para outros momentos de crise econômica? 
Não deixemos de notar, porém, que as palavras do padre Vieira revelam uma espantosa dependência, por parte da população de origem europeia, de mercadorias que vinham do Reino, e que integravam, ainda, os hábitos quotidianos nas povoações coloniais.

(1) Descrições da época levam à conclusão de que se tratava de uma variedade de febre amarela, não originária do Brasil, já que os primeiros que manifestaram os sintomas da doença foram marinheiros que acabavam de chegar da costa da África.
(2) Principiava, também, a descoberta de ouro nas Gerais, um fato que contribuiria para agravar a escassez de mão de obra e o desinteresse pela produção açucareira.
(3) A preocupação com a falta de armas decorria dos frequentes ataques de corsários em vários pontos do litoral brasileiro.
(4) Era comum, na época, que os indígenas fossem chamados "brasis".
(5) VIEIRA, Pe. Antônio S. J.  Cartas vol. 2. Lisboa Ocidental: Oficina da Congregação do Oratório, 1735, p. 382.


Veja também:

2 comentários:

  1. Para lá da sua forte convicção nas coisas da fé, o Padre António Vieira demonstrou, por aquilo que conta, que era de um pragmatismo exemplar.

    Um bom final de semana :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não se pode negar que o conselho era oportuno: autores coloniais relataram que, tanto quanto podiam, os moradores da Cidade da Bahia (Salvador), primeira capital do Brasil, eram, ao modo de seu tempo, bastante consumistas. Vieira, com um tanto de sarcasmo, acertou.

      Excluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.