terça-feira, 31 de janeiro de 2017

"Guerra justa" contra indígenas do Brasil

Veremos hoje, leitores, um exemplo prático daquilo que, nos tempos coloniais, recebia o nome de "guerra justa" contra indígenas. Como foi o próprio padre Antônio Vieira, jesuíta, quem contou, não é possível supor que houvesse intenção difamatória; além disso, o relato, em si, é sumamente interessante como documento histórico daquilo que, no Século XVII, era o tratamento dispensado aos povos nativos do Brasil.
Uma tribo, chamada dos inheiguaras por Vieira, vivia em algum ponto nas proximidades do rio Tocantins. Sucede que a dita tribo teria tentando impedir que outros grupos deixassem suas terras e fossem viver sob a tutela dos padres em uma missão, conforme esclarecimento oferecido em carta ao rei de Portugal: "[...] com morte de alguns cristãos tinham impedido a outros índios de sua vizinhança de se descerem para a Igreja e vassalagem de Vossa Majestade [...]". (¹)
O pretexto estava dado. Na expedição para escravizá-los, liderada pelo jesuíta Manoel Nunes, foram quatrocentos e cinquenta índios "de arco e remo" e quarenta e cinco soldados portugueses, comandados por um capitão de infantaria. Os inheiguaras (seguimos com a descrição do padre Vieira), "foram buscados, achados, cercados, rendidos e tomados quase todos, sem dano mais que de dois índios nossos levemente feridos. Ficaram prisioneiros duzentos e quarenta, os quais [...], a título de haverem impedido a pregação do Evangelho, foram julgados por escravos e repartidos aos soldados." (²) 
Este fato ocorreu em 1659. A ideia de que a escravização (de quem quer que fosse) era uma coisa má em si mesma, não passava, ao que parece, pela cabeça de quase ninguém, nem mesmo no caso de um sujeito esclarecido, como era o padre Antônio Vieira.

(1) VIEIRA, Pe. Antônio S. J.  Cartas vol. 2. Lisboa Ocidental: Oficina da Congregação do Oratório, 1735, p. 19.
(2) Ibid., p. 20.


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2 comentários:

  1. Curioso como, em determinadas épocas, o conceito de justo e apropriado varia tanto com os dias de hoje. Para quem aprecia e respira" a História, como a Marta, é fácil perceber o porquê.

    Uma boa semana :)

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