domingo, 14 de agosto de 2011

Passeio de rede - Parte 2

"José da Silva sentia agora deixar tudo isso, abandonar o encanto selvagem das florestas brasileiras - ali vivera feliz largo tempo, amara, enriquecera. Tornara-se americano, acostumara-se à música daquelas árvores seculares, à harmonia dos campos, às sestas preguiçosas da fazenda, à vida de chinelas e peito nu, à rede embalada pelo vento, o sono guardado por escravos."
                                                                                                                     Aluísio Azevedo, O Mulato

O hábito de se fazer transportar em uma rede era, aos olhos dos que não estavam acostumados a ele, no mínimo curioso. Há, a esse respeito, um interessante relato de Hércules Florence que, durante a Expedição Langsdorff, conheceu uma fazendeira idosa, D. Antônia, que, ao que parece, não viajava de outro modo, tendo para isso todo um séquito a lhe servir:
"No dia 1º de maio de 1827 partimos para a vila de Guimarães. Em caminho fomos visitar a fazenda do Buriti, de cana-de-açúcar, e pertencente a uma velha chamada D. Antônia, a qual chegou ao mesmo tempo que nós, vinda de Cuiabá. Viajava de um modo novo para nós, carregada por dois negros numa rede suspensa a uma grossa taquara de guativoca. De muda iam outros dois pretos aos lados. Acocorada nessa rede e a fumar num comprido cachimbo, vinha ela seguida de negras e mulatas, todas vestidas limpamente e carregando à cabeça cestos, trouxas e roupas, vasilhas de barro e outros objetos comprados há pouco." (¹)
Antes de mais comentários, leitor, será bom assinalar o quanto de influência indígena havia nesses hábitos: a rede, o cachimbo, o viajar levando os pertences sobre a cabeça (que não é costume exclusivamente indígena, mas que nesse caso parece ser o fator determinante). Acontece que essa exótica personagem não se servia da rede apenas para viajar, como logo descobrimos pelas palavras do mesmo H. Florence, que nos descreve o modo como a fazendeira controlava o trabalho que se fazia em sua propriedade:
"[...] D. Antônia tem sua rede armada perto da porta de entrada, à direita: ali passa os dias a fumar e a dirigir o trabalho das pretas e mulatas." (²)
Além do que descreveu em palavras, H. Florence deixou um precioso desenho do que viu na Fazenda do Buriti, no qual, além da casa-sede, vemos, como não poderia deixar de ser, a proprietária, devidamente instalada em sua rede.


(1) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, pp. 143 e 144.
(2) Ibid., p. 144.


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