terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Uma palavra em favor da preservação da memória ferroviária no Brasil

No momento mesmo em que ainda lamentamos a destruição (pelas enchentes) do patrimônio histórico de São Luís do Paraitinga, creio ser válido abordar a questão da preservação da memória das pequenas e grandes cidades, independente de terem ou não valor turístico. Por hora, tratarei especificamente do que toca à conservação do patrimônio ferroviário, em particular no Estado de São Paulo. Por suposto não discuto aqui o caso da preferência do transporte rodoviário em detrimento das ferrovias - isso seria assunto para outra postagem.
No Estado de São Paulo, a constituição da malha ferroviária esteve ligada à expansão da agricultura cafeeira nas últimas décadas do século XIX. As ferrovias eram então o meio de transporte mais conveniente para que as gigantescas safras de café do "oeste paulista" pudessem chegar ao porto de Santos, de onde eram distribuídas mundo afora. A partir da década de 50 do século XX, o transporte ferroviário foi gradualmente perdendo espaço, sendo substituído pelo de matriz rodoviária. Hoje as ferrovias que ainda existem são reconhecidamente subutilizadas, e apenas para transporte de carga, não mais de passageiros.
Ocorre que a expansão das ferrovias foi fator preponderante para a urbanização do Estado - trazia consigo um rastro de modernização, gerando inclusive uma arquitetura própria, que ainda é possível reconhecer, malgrado o estado de deterioração em que se encontram muitas das antigas estações ferroviárias.
Claro está o fato de que é impossível a conservação da malha ferroviária tal qual se encontrava em fins do século XIX. Não se pretende tal coisa. A questão se resume a selecionar o que há de mais representativo em termos de estrutura arquitetônica, além de, simultaneamente, garantir a preservação e disponibilização para pesquisa de toda a documentação escrita e iconográfica ainda existente.

Entrada de estação da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro em Limeira - SP

Em quase todo o Estado há tentativas de restauração de antigas estações ferroviárias, mas o resultado disso é bem variado. Há, por exemplo, o caso bem sucedido, pelo menos para fins turísticos e educacionais, da restauração do trecho entre a Estação Anhumas (em Campinas) e Jaguariúna, mas há também casos bizarros, como o daquela estação que ganhou um toldo de acrílico...
Trecho de linha férrea
em Jaguariúna - SP
Cabe aos responsáveis por projetos de restauração considerar que essa tarefa exige a supervisão de especialistas, para que o resultado final possa, de fato, ser tido como compatível com a preservação de patrimônio histórico.
Em tempos de tantas mudanças, é necessário dedicar atenção à preservação dos vestígios do passado, até porque isso é fundamental para assegurar aos mais jovens o direito a conhecer suas próprias origens, uma parte essencial de sua identidade.   Por esses trilhos de bitola estreita o café era conduzido a Santos, mas, por esses mesmos trilhos, milhares e milhares de imigrantes provenientes da Europa seguiam de Santos para locais de trabalho em todo o Estado, imigrantes esses que são os ascendentes de parte considerável da população.
Oportunamente, voltarei a tratar de questões relacionadas ao patrimônio histórico, mas quero deixar aqui um insistente chamado à conservação do que ainda resta de significativo das ferrovias, do material iconográfico a elas relacionado e do material escrito que deve ser conservado para pesquisa. Isso não é despesa inútil. Conservar a memória do passado é vital para a construção de um senso de coesão social de que o país tanto precisa. E é inadiável. Protelar pode significar perder para sempre.


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