quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Passado real e imaginação

Pense bem, leitor, e tente adivinhar de quando e de onde é esta foto. Enquanto pensa, continue a ler.
Ou o "passado real" é uma categoria que sequer existe de fato (porque não passa de imaginação) ou, se existe, não está ao nosso alcance, simplesmente porque não temos a capacidade de ir e vir no tempo, por mais que sonhemos com essa possibilidade, conforme a vasta bibliografia da ficção científica o atesta. Vivemos em uma persistente recusa à nossa condição mortal, como se algo em nós dissesse que não é para isso que viemos à existência. O que chamamos de passado não é, pois, o "passado real", mas uma combinação de vestígios materiais, de conhecimentos obtidos através de pesquisa documental, de inferências e... de fantasias. Sobre esse último item, valem algumas considerações.
Pois bem, assumir que uma certa dose de fantasia faz parte de nossa concepção do passado pode parecer um golpe muito pesado nas pretensões à estrita objetividade do conhecimento científico, mas a História não vem a ser menos ciência por causa disso e, talvez, seja exatamente o contrário, na medida em que essa dimensão humana é devidamente absorvida, estudada e respeitada, dentro das características próprias que sua metodologia impõe. Então, convém dizer que o treinamento profissional do historiador pode minimizar a interferência de fatores subjetivos na interpretação histórica, ainda que seja quase impossível extirpá-los completamente. Como já disse, insistir nisso seria lutar contra a natureza humana.
Vamos exemplificar essa questão do "componente fantasia" em nossa visão do passado:
1. Por que, para a maioria das pessoas, a Idade Média é sinônimo de belíssimos castelos, princesas encantadas e príncipes meigos e gentis - por mais que as pesquisas neguem essas ideias?
2. Por que a monarquia ainda exerce um fascínio tão grande, mesmo em países que, em seu processo político, já a abandonaram há muito tempo?
3. Por que até mesmo em países que, dentro de sua história como nação independente, jamais foram governados por uma monarquia, há uma tendência a tratar certas famílias como uma espécie de realeza? (Considere o caso dos Kennedy nos Estados Unidos).
4. Por que certos episódios, que comprovadamente não aconteceram ou, se aconteceram, não foram como geralmente se diz, continuam a ser contados às novas gerações como verdades incontestáveis?
Paremos por aqui. Tire você mesmo suas conclusões.
A propósito, de quando e de onde é a foto? Talvez você tenha se deixado levar pela fantasia, e tenha chegado à conclusão de que se trata de alguma paradisíaca cidadezinha do interior, lá pelos anos 30 ou 40 do século XX. Acertou! Mas só um pouquinho.
Fiz essa foto no último domingo, na simpática cidade de Amparo (SP), que antes da grande crise de 1929 foi um verdadeiro centro de produção e exportação de café. Hoje tem atividade industrial importante, mas o centro histórico guarda locais expressivos dos tempos dourados da hegemonia cafeeira. Na foto está a Catedral de Nossa Senhora do Amparo, que foi consagrada como igreja matriz em 1879, e vale bem uma visita.
Evidentemente, editei a foto, para que parecesse antiga. Veja aí ao lado o original, só pra comparar.


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