quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Em nome dos reis que queriam ouro

Invasores europeus no Continente Americano na perspectiva do Mercantilismo


Eram tempos de Mercantilismo, ao menos para alguns reinos na Europa. Mercantilismo - talvez a explicação soe um pouco simplista - foi doutrina e prática econômica que, entre outras ideias, defendia o metalismo, o conceito de que um Estado seria tanto mais forte e poderoso quanto maior fosse sua reserva de metais preciosos, obtidos por meio de uma balança comercial favorável. Mas não só, conforme já veremos.
Os autoproclamados conquistadores, que invadiram e dominaram impérios no Continente Americano, corriam risco, matavam e morriam por si mesmos, com vistas à aquisição de riqueza pessoal. Mas iam também em nome do monarca, fosse rei ou imperador, sob cuja autoridade, em última instância, se encontravam. Era aos monarcas de nações europeias que muito interessava também a "conquista", da qual decorria o envio de embarcações abarrotadas de metais preciosos. O preceito mercantilista era seguido à risca.
Contudo, os "conquistadores" não se arriscavam apenas por riqueza pessoal ou pela prosperidade econômica de reis e imperadores que estavam muito longe, e a quem, em quase todos os casos, jamais veriam. Acreditavam piamente que a conquista era um serviço a Deus. Não pensem, leitores, que todo suposto conquistador era um hipócrita, que invocava perversamente o nome de Deus para justificar atos de suprema crueldade. Se é fato que havia gente pérfida a tal ponto, é igualmente certo que nem todos se enquadravam nessa categoria. A mentalidade cruzadística não se havia, ainda, evaporado por completo (¹).
Um exemplo prático ajudará a esclarecer essa questão. Publicou-se em Sevilha, no ano de 1534, uma obra escrita por Francisco de Xerez, que foi, nem mais e nem menos, que o secretário de Francisco Pizarro, famoso por invadir e atacar o Império Inca. Pois bem, nessa obra, ao relatar um confronto preliminar entre espanhóis e indígenas, Xerez escreveu, com uma candura de arrepiar os cabelos:
"[...] como Nosso Senhor favorece e socorre nas necessidades aos que estão a seu serviço, os índios foram desbaratados e fugiram, e os que estavam a cavalo foram atrás deles, ferindo e matando alguns [...]." (²)
Posteriormente, Pizarro mandou tropas a perseguir os indígenas que haviam escapado, e, tendo aprisionado àqueles que supunha líderes, entendeu-se com eles do modo que já ia se tornando frequente, sempre que invasores atacavam quem dispunha de alguma quantidade daquilo que acima de tudo desejavam, prata e ouro:
"[...] Destes fez justiça o governador, queimando a alguns e cortando a cabeça a outros." (³)
Se, na Europa, cristãos que divergiam dos pontos de vista religiosos dominantes eram queimados vivos, por que invasores espanhóis considerariam estranho o ato de decapitar ou queimar pessoas de cujas terras e riquezas pretendiam se apropriar, em nome de Deus e do rei (⁴)?

(1) Quem ousaria dizer, mesmo em nossos dias, que já desapareceu de todo?
(2) XEREZ, Francisco de. Verdadera relacion de la conquista del Perú y Provincia del Cuzco. Sevilha: Bartolomé Perez, 1534. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Ibid.
(4) Na época, Carlos V, rei da Espanha e imperador do Sacro Império.


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