terça-feira, 24 de maio de 2011

O trabalho das escravas nos engenhos de açúcar: Parte 4 - Na casa de purgar

"Casa de Purgar" era o nome dado ao lugar, em um engenho, no qual o açúcar, ainda pouco sólido, era trabalhado até secar completamente, em um lento processo de conduzia  ao branqueamento. Para isso, era colocado em formas de barro, constituindo os chamados "pães de açúcar". Sobre o próprio açúcar eram colocadas sucessivas camadas de argila, conforme relata Antonil, esclarecendo, também, como as escravas realizavam esse trabalho:
"Trabalham na casa de purgar quatro escravas, e são as que entaipam e botam barro nas formas do açúcar e lhe dão suas lavagens. No balcão de mascavar assistem duas negras das mais experimentadas, que chamam mães do balcão, e com outras o mascavam e apartam o inferior do melhor uns negros que trazem e aventam as formas, e tiram delas os pães de açúcar, e o amassador do barro de purgar, que é também outro negro.
No balcão de secar trabalham as mesmas duas mães com as suas companheiras, que são até dez, estendendo os toldos e quebrando com toletes as lascas e os torrões grandes em outros menores atrás dos quebradores dos pães. E na caixaria ajudam ao caixeiro no peso e encaixamento do açúcar as negras e negros que são necessários, como também no pilar, igualar, pregar e marcar." (¹)
"Cavam primeiro as quatro escravas purgadeiras com cavadores de ferro no meio da cara da forma (que é a parte superior) o açúcar já seco, e logo o tornam a igualar e entaipar muito bem com macetes; botam-lhe então o primeiro barro, tirando-o com um reminhol dos tachos, que vieram cheios dele do seu cocho, estando já amassado em sua conta, e com a palma da mão o estendem sobre toda a cara da forma, alto dois dedos. Ao segundo ou terceiro dia botam em riba do mesmo barro meio reminhol ou uma cuia e meia de água, e para que não caia no barro de pancada, e caindo faça covas no açúcar, recebem sobre a mão esquerda, chegada ao barro, a água, que botam com a direita igualmente sobre toda a superfície, e logo com a palma da mão direita mexem levemente o barro, de sorte que com os dedos não cheguem a bulir na cara do açúcar." (²)
Ao concluírem-se essas operações o açúcar era desenformado, separando-se o açúcar branco do mascavado:
"Ao pé do balcão, que chamam de mascavar, se aventam as formas sobre um couro, que vem a ser bulir nelas devagar com as bocas viradas para o dito couro, para que saiam bem os pães, os quais postos sucessivamente por um negro sobre um toldo, que está estendido neste balcão, por mão de uma negra (à qual chamam mãe do balcão), se lhes tira com um facão todo aquele açúcar mal purgado e de cor parda que têm na parte inferior, e isto se diz mascavar, e ao tal açúcar chamam depois mascavado. E, entretanto, outra sua companheira, que é das mais práticas, tira com um machadinho do mesmo mascavado o mais úmido, que chamam pé da forma ou cabucho, e este torna para a casa de purgar em outras formas, até acabar de se enxugar; e logo outras negras quebram com toletes os torrões do mascavado sobre um toldo, que também há de ir ao balcão de secar." (³)
A qualidade do açúcar dependia, em essência,  de quão corretamente era feito o trabalho na casa de purgar, ainda que outros fatores, como o clima, por exemplo, também tivessem sua influência, à medida que dias mais secos permitiam secagem rápida, ao contrário de dias chuvosos, que tornavam o processo mais lento. E, finalmente, quando os funcionários pagos, que supervisionavam todo o processo, entendiam que o açúcar estava "no ponto", chegava a hora de colocá-lo em caixas, preparando-o para exportação, no que, mais uma vez, os escravos, eles e elas, faziam grande parte do esforço.

(1) Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas, pp. 79 e 80 da edição original de 1711.
(2) Ibid., pp. 83 e 84.
(3) Ibid., p. 87.


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2 comentários:

  1. Muito Obrigado!
    a forma de como você tratou o tema, é bem desenvolvida!

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