O desconhecido sempre faz nascer expectativas. Muitas não passam de fantasias, com pouco ou nenhum sentido de realidade. Foi assim na Antiguidade, quando a maior parte do Continente Africano e do Extremo Oriente era pouco conhecida de gregos e romanos, e continua pelo mesmo caminho até hoje - basta ver o que se supõe sejam os "seres extraterrestres", também chamados de alienígenas. Para os muito fantasiosos, a atual exploração do solo marciano deve ser uma grande decepção.
A Amazônia, com seus rios espantosos e floresta repleta de mistérios, já foi, também, alvo de lendas. A mais famosa, até pelo nome, é sem dúvida a das amazonas, mulheres indígenas que, cansadas da hegemonia masculina, teriam abandonado as aldeias em que viviam para formar uma tribo isolada, na qual não se permitia a presença de homens, a não ser em uns poucos dias a cada ano, para garantir a perpetuação da espécie. Vários autores escreveram sobre elas, afirmando sua existência, segundo depoimento deste ou daquele indígena, cujo pai, avô, tio, havia tido um encontro infeliz com a suposta tribo. Claro, os escritores que falaram delas também nunca tinham visto uma amazona, mas arrazoavam, segundo toda a lógica que conseguiam arregimentar, que elas de fato existiam. Contra essa corrente (de proporções amazônicas), Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, que foi pessoalmente às povoações da Capitania de São José do Rio Negro entre 1774 e 1775, observou: "Se eu devo agora também dizer o que me parece, confesso que não cabe no meu entendimento igual opinião. E se examinarmos esta matéria pela regra da verdadeira lógica e sólida crítica, devemos assentar que a existência das amazonas da América é uma daquelas preocupações populares, que achando fundamento no maravilhoso, que o povo ama, se propagam com extraordinária facilidade." (¹)
Filho do Século do Iluminismo, Ribeiro de Sampaio andou muito bem nesta questão das amazonas. Foi lúcido, igualmente, ao tratar da lenda da "lagoa dourada", "lago dourado" ou, mais exageradamente, de uma cidade inteiramente de ouro, que se imaginava existir em algum ponto da América do Sul. Não seria antes uma projeção da cobiça de quem queria riqueza rápida e fácil? Era essa a sua opinião: "Enfim o Lago Dourado, se existe, me persuado que é somente na imaginação dos espanhóis, que tenho notícia certa ainda atualmente fazem diligência para achá-lo: mas na verdade esta matéria só deve ser tratada pelo modo alegórico e irônico, com que dela escreveu certo autor famoso (²)". (³)
Contudo, neste mundo, como todos sabem, nada é perfeito. Plínio, o Velho, falando de povos diferentes dos gregos e romanos, que se supunha viverem em terras distantes, listou, entre muitos outros, aqueles que teriam cauda, e talvez suas ideias tenham influenciado Ribeiro de Sampaio. Vejam só, leitores, o que afirmou, fazendo referência a indígenas que viviam na região do rio Juruá: "Diz-se que os índios desta nação têm rabo do comprimento de três e quatro palmos, ou mais. [...] Parecerá esta relação uma fábula, ou para melhor dizer, uma quimera; mas sendo certo que nada tem de impossível [...] está o testemunho de um grande número de índios descidos do Juruá, que conheceram a dita nação, e está sobretudo o incontrastável documento de uma certidão jurada, que eu vi em poder do reverendo visitador e vigário-geral desta capitania [...]." (⁴)
Neste caso, Ribeiro de Sampaio não viu. Mas acreditou, como outros, em seu tempo, ainda criam na existência das amazonas e procuravam a lagoa dourada.
(1) SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da Viagem que em Visita e Correição das Povoações da Capitania de São José do Rio Negro Fez o Ouvidor e Intendente-Geral da Mesma. Lisboa: Typografia da Academia, 1825, p. 29.
(2) O autor faz referência a Voltaire.
(3) SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Op. cit., p. 101.
(4) Ibid., p. 54.
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