Se você acha que Joaquim Manuel de Macedo foi apenas um romancista do Século XIX - o sujeito que escreveu A Moreninha - está muito enganado. Macedo era, por formação, um médico, mas acabou professor de História no Colégio Pedro II. Fez fama com seus romances, que caíram rapidamente nas graças do público, mas escreveu também Lições de História do Brasil Para Uso dos Alunos do Imperial Colégio de Pedro Segundo, cuja primeira edição data de 1861. Nesse livro, é bom recordar, Macedo pretendia (pelos menos assim afirmava) ter seguido a História Geral do Brasil, de F. A. Varnhagen, o que deve ser entendido como sendo referência à primeira edição, já que a segunda, mais "definitiva", somente viria em 1872 - posteriormente, como se vê, à primeira edição da obra didática de J. M. de Macedo.
Aqui estão alguns trechos de seu livro, que dão uma ideia do que o professor Joaquim Manuel de Macedo andava a ensinar a seus alunos no Pedro II. Vejamos (*):
Aqui estão alguns trechos de seu livro, que dão uma ideia do que o professor Joaquim Manuel de Macedo andava a ensinar a seus alunos no Pedro II. Vejamos (*):
a) Crítica aos jesuítas (p. 40):
"Mas os padres da Companhia não paravam aí, e em sua orgulhosa ambição queriam ter no governador-geral do Brasil um instrumento de sua preponderância, e não sofriam pacientemente que essa autoridade contrariasse às vezes os seus interesses e os seus planos de futuro."
Além disso, assim se expressou com respeito à expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios (pp. 205 e 206):
"Sem discutir o direito incontestável que assistia ao governo de Portugal para tomar essa transcendente medida, é fácil demonstrar que ela foi útil, e era necessária ao Brasil. Os jesuítas tinham sem dúvida prestado imensos serviços à grande colônia portuguesa da América; a época porém da sua conveniente intervenção ou já estava passada, ou eles não conheciam mais o limite, além do qual a sua influência de benéfica se tornava perigosa e intolerável; o seu interesse particular servira a causa da humanidade nos primeiros tempos coloniais; desde alguns anos porém mostrava-se em luta desregrada com os altos interesses do Estado; defendendo a liberdade dos índios, embora por conveniência própria, a Companhia tinha-se mostrado humanitária e civilizadora; mas depois abusando do seu poder sobre os rudes filhos do deserto, e deles fazendo uma coorte, que não hesitou em opor ao governo do rei, condenou-se, como uma instituição revoltosa e nociva, e provocou o raio com que a fulminou o Marquês de Pombal, a quem apoiaram as convicções de toda a população civilizada do país."
"Sem discutir o direito incontestável que assistia ao governo de Portugal para tomar essa transcendente medida, é fácil demonstrar que ela foi útil, e era necessária ao Brasil. Os jesuítas tinham sem dúvida prestado imensos serviços à grande colônia portuguesa da América; a época porém da sua conveniente intervenção ou já estava passada, ou eles não conheciam mais o limite, além do qual a sua influência de benéfica se tornava perigosa e intolerável; o seu interesse particular servira a causa da humanidade nos primeiros tempos coloniais; desde alguns anos porém mostrava-se em luta desregrada com os altos interesses do Estado; defendendo a liberdade dos índios, embora por conveniência própria, a Companhia tinha-se mostrado humanitária e civilizadora; mas depois abusando do seu poder sobre os rudes filhos do deserto, e deles fazendo uma coorte, que não hesitou em opor ao governo do rei, condenou-se, como uma instituição revoltosa e nociva, e provocou o raio com que a fulminou o Marquês de Pombal, a quem apoiaram as convicções de toda a população civilizada do país."
b) Sobre a "aclamação" de Amador Bueno (p. 107), servindo-se do assunto para doutrinar os meninos quanto a não deverem nunca incitar a multidão para uma mudança de governo:
"O desinteresse e a abnegação de Amador Bueno deixaram uma bela página à História do Brasil: ainda mesmo aqueles que explicarem o seu procedimento pelas probabilidades ou quase certeza de um reinado efêmero, pois que São Paulo não poderia manter-se independente, reconhecerão ao menos a força de ânimo e a nobreza do coração do homem, que resistiu ao encanto da ambição, e que não quis que se derramasse o sangue do povo para experimentar a fortuna, ou para, ainda mesmo por algumas semanas, ser o chefe de um Estado, e chamar-se rei; nunca se incita sem perigo a ambição dos homens, e aquele que assim incitado refreia a multidão que o procura e quer exaltar, presta um serviço relevante, e deve ser levado à posteridade."
c) Guerra contra os holandeses no Século XVII (p. 143):
"A insurreição já estava nos corações pernambucanos, quando Vidal de Negreiros correu a excitá-la. Os vigorosos motores dela foram o triunfo da nacionalidade portuguesa em 1640, e a influência da religião católica que os brasileiros não toleravam que continuasse a ser insultada e proscrita. O grito de guerra soltado por Vidal ao ligar-se a Vieira foi este: "Deus e liberdade!"
Assim pois a destruição do poder holandês no Brasil foi principalmente devida em boa parte aos erros dos próprios holandeses, e depois em máxima parte à impulsão dos dois nobilíssimos sentimentos: o da religião, e o do nacionalismo."
Recorde-se, apenas, que nos dias de Macedo estava em vigor a Constituição de 1824, segundo a qual o Catolicismo era religião oficial do Império do Brasil.
"A insurreição já estava nos corações pernambucanos, quando Vidal de Negreiros correu a excitá-la. Os vigorosos motores dela foram o triunfo da nacionalidade portuguesa em 1640, e a influência da religião católica que os brasileiros não toleravam que continuasse a ser insultada e proscrita. O grito de guerra soltado por Vidal ao ligar-se a Vieira foi este: "Deus e liberdade!"
Assim pois a destruição do poder holandês no Brasil foi principalmente devida em boa parte aos erros dos próprios holandeses, e depois em máxima parte à impulsão dos dois nobilíssimos sentimentos: o da religião, e o do nacionalismo."
Recorde-se, apenas, que nos dias de Macedo estava em vigor a Constituição de 1824, segundo a qual o Catolicismo era religião oficial do Império do Brasil.
d) Quilombo de Palmares (p. 164):
"É provável, ou mesmo certo, que a imaginação de um ou outro escritor mais poético, que as relações de informantes exagerados por medo ou por gosto, enfeitassem os rudes quilombos com uma história romanesca de instituições, costumes e tendências generosas, que desafiam a curiosidade, e mesmo tal qual admiração.
"É provável, ou mesmo certo, que a imaginação de um ou outro escritor mais poético, que as relações de informantes exagerados por medo ou por gosto, enfeitassem os rudes quilombos com uma história romanesca de instituições, costumes e tendências generosas, que desafiam a curiosidade, e mesmo tal qual admiração.
[...].
Ocupando uma grande extensão, subdivididos em quilombos principais, no berço de dois dos quais se levantaram depois as vilas de Jacuípe e da Atalaia, os famosos Palmares chegaram a conter, segundo uns onze mil, e segundo outros até trinta mil escravos fugidos, e provavelmente desertores, e criminosos, e avultavam pois ameaçadores, oferecendo guarida e liberdade a quantos escravos queriam escapar ao domínio de seus senhores, e zombando do governo da Capitania que os não podia destruir."
A escravidão estava ainda em vigor no Brasil - duraria até 1888 - não sendo surpresa que, à época, os quilombos fossem condenados, porque eram vistos, em última análise, como um atentado à estabilidade econômica do Império. Além disso, o medo de uma revolta de escravos, de grandes proporções, não estava, de modo algum, ausente.
A escravidão estava ainda em vigor no Brasil - duraria até 1888 - não sendo surpresa que, à época, os quilombos fossem condenados, porque eram vistos, em última análise, como um atentado à estabilidade econômica do Império. Além disso, o medo de uma revolta de escravos, de grandes proporções, não estava, de modo algum, ausente.
e) Repressão à Revolução Pernambucana de 1817 (p. 257), uma nova oportunidade para doutrinar os alunos contra qualquer ação no sentido de uma mudança no governo estabelecido:
"Aqueles que se arrojam a empunhar as armas contra o governo estabelecido, que o atacam em campo armado, tentando destruir as instituições, e perturbando a ordem da sociedade, expõem-se aos golpes da espada da lei, que os condena, e quando soa a hora tremenda do castigo, sofrem as consequências de seus próprios atos. Então é natural que se lamente a necessidade da punição, mas respeita-se a mão da autoridade que pesa sobre os culpados; então aplaude-se a anistia que regenera o condenado, e que o lava do crime no Jordão da clemência; mas se não vem a anistia, nem por isso a consciência pública desconhece o fundamento do castigo."
Quando a primeira edição foi publicada, não haviam chegado, ainda, os dias da maior efervescência quanto à campanha republicana. No entanto, fica evidente o propósito de incutir nos jovens estudantes o senso de obrigação quanto a preservar a Monarquia. Parece-me, todavia, que o efeito da "vacina" não foi lá muito eficaz: não poucos alunos do Colégio Pedro II prosseguiam seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, de onde saíram muitos republicanos convictos.
Quando a primeira edição foi publicada, não haviam chegado, ainda, os dias da maior efervescência quanto à campanha republicana. No entanto, fica evidente o propósito de incutir nos jovens estudantes o senso de obrigação quanto a preservar a Monarquia. Parece-me, todavia, que o efeito da "vacina" não foi lá muito eficaz: não poucos alunos do Colégio Pedro II prosseguiam seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, de onde saíram muitos republicanos convictos.
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Creio serem desnecessárias maiores considerações. Os leitores deste blog são gente esclarecida e em condições de analisar os trechos acima, citados apenas a título de amostragem. Vê-se que o conceito de ensino de História tem passado por consideráveis reviravoltas. E sabe-se lá por quantas outras ainda não há de passar!
(*) Todas as citações foram extraídas da seguinte edição: MACEDO, Joaquim Manuel de. Lições de História do Brasil Para Uso dos Alunos do Imperial Colégio de Pedro Segundo. Rio de Janeiro: Domingos José Gomes Brandão, 1863.
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