segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Desembarque do tesouro inca em Sevilha

Há quem afirme que os atos e a cultura de quem viveu no passado não devem ser julgados pelos valores que temos na atualidade. Existe, por certo, algo de verdade nisso: estamos sob circunstâncias muito diferentes das enfrentadas por pessoas de outros tempos. Como negar, porém, que há coisas que transcendem as eras? É de causar espanto, e mesmo horror, o modo como alguns autores contemporâneos às invasões de impérios da América no Século XVI interpretaram as ações de que chegaram a participar ou que, ao menos, presenciaram. 
Se você leitor, der uma olhada na postagem anterior deste blog, verá que abordei a questão do ideário que norteou as invasões de europeus em áreas do Continente Americano nos Séculos XV e XVI, comumente chamadas de "conquista da América". Pois bem, voltemos ao assunto, considerando que Francisco Pizarro, à frente de um bando reduzido de soldados, depois de desembarcar em território inca, acabou, astutamente, por aprisionar o imperador Atahualpa, com mostras, no entanto, de sutil amabilidade. Ora, Atahualpa, talvez em desespero por não compreender a extensão do que lhe ocorrera, prometeu a Pizarro um cômodo inteiro da casa em que estava repleto de ouro e prata, se, com isso, fosse libertado. Essa declaração, talvez figurada, foi entendida literalmente por Pizarro, porque era aquilo que mais desejava ouvir. 
Em consequência, ouro e prata começaram a afluir de diferentes partes do Império Inca. Pretenderia Pizarro, contudo, libertar Atahualpa, sabendo que, possivelmente, lideraria uma força numerosíssima contra os invasores, que, aliás, eram mesmo poucos, embora dispusessem de alguns cavalos e de uma ousadia que surpreende até hoje? 
Não, isso estava fora de questão. Valendo-se de ter ouvido que o ilustre prisioneiro tramava, secretamente, um ataque aos espanhóis, Pizarro fez condenar Atahualpa à morte. Devia ser queimado vivo. Diante da perspectiva horrorosa, o pobre homem aceitou uma conversão forçada ao catolicismo, que resultou em morrer de modo mais suave - por afogamento. Era julho de 1533. 
Metodicamente, Pizarro fez transformar em folhas e barras quase toda a enorme quantidade de metal precioso que recebera, pagando a cada soldado que o acompanhara a quantia correspondente a seu papel e posição de autoridade. Tratava-se, agora, de remeter ao monarca espanhol (¹) o que lhe cabia. Quanto a isso, o secretário de Pizarro, Francisco de Xerez, escreveu, ao relatar o desembarque do tesouro inca em Sevilha:
"Este tesouro foi descarregado na doca e levado à Casa da Contratação, sendo os vasos carregados e o restante em vinte e sete caixas, de modo que cada junta de bois levava duas caixas por carreta." (²)
Isso ocorreu em 1534. Sucintamente, o secretário Xerez concluiu: "a Dios gracias".

(1) Na época, Carlos V, rei da Espanha e imperador do Sacro Império.
(2) XEREZ, Francisco de. Verdadera relacion de la conquista del Perú y Provincia del Cuzco. Sevilha: Bartolomé Perez, 1534. 
O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.

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