quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Em defesa da leitura

Já ouvi alguns amigos falando de sua preocupação com os filhos em idade escolar, que não querem ler nada que tenha mais de duas ou três linhas. A dificuldade é mais ou menos a mesma quando se trata de escrever. Seja porque não querem, ou porque alegam não gostar, ou ainda porque não adquiriram a capacidade para isso, muitas crianças e adolescentes evitam qualquer tipo de leitura, principalmente se for tarefa requerida pelos professores. Quanto à escrita, nem se fala. Pais e mães, ansiosos devido à situação, tendem a responsabilizar os meses (anos, em alguns casos) de aulas virtuais que, para muitos alunos, foram um tempo de aula nenhuma. Simplesmente dormiam diante do computador. 
Seria completa tolice supor que os mais jovens não foram afetados pelos tempos difíceis da pandemia. Sofriam a seu modo, talvez observando em silêncio a tensão que a família deixava transparecer, quando, devido ao isolamento social, o tempo de convivência doméstica aumentou. Mas, e agora que as coisas estão razoavelmente normais, ou pelo menos parecem estar? 
Meu ponto de vista é bem simples: a escola deve priorizar a aquisição de capacidades fundamentais, deixando de lado, temporariamente, os penduricalhos que chegam a engessar o programa das disciplinas. Minha abordagem sobre o desenvolvimento da leitura, e, por consequência, também da escrita, partirá desse princípio.
Leitura corrente é indispensável. Seu desenvolvimento não pode estar ligado apenas ao processo de alfabetização. Tem de persistir ao longo de toda a escolaridade. E, é bom já dizer, não há equivalência entre assistir filmes e ler obras literárias. É pouco provável que alguém interrompa um filme para refletir sobre ele. Quanto à leitura, oferece oportunidade para reflexão sobre o texto, sobre as ideias que o autor apresenta. Segue em ritmo pessoal, não no ritmo adotado por um diretor de cinema. 
Alega-se que a geração atual não tem mais a concentração necessária à leitura de obras de maior fôlego. Isso pode ser decorrência, ao menos em parte, da alfabetização deficiente. A péssima leitura, a capacidade muito limitada de escrita e o vocabulário reduzido, fenômenos encontráveis, infelizmente, até com certa frequência, mesmo em estudantes do ensino superior, explicam muito do desinteresse por livros. No entanto, não há crescimento intelectual sem leitura e sem capacidade de reflexão. Por isso é tão importante que, desde os anos iniciais, a aquisição da capacidade plena de leitura e o desenvolvimento das habilidades necessárias à produção de textos claros, ainda que simples, sejam prioridade absoluta. Disso depende, em larga escala, o sucesso de um estudante à medida que avança na escolarização.
O que vemos são crianças e jovens com aversão a qualquer coisa escrita. Não estou combatendo os vídeos e outras mídias. Espero que não reste dúvida, no entanto, de que o ambiente escolar é feito para fornecer um conhecimento que não virá de outro lugar.
Por que gastar tempo repisando informações que os pais, de qualquer condição, podem dar às crianças? Aliás, é alto tempo de chamar pais às responsabilidades da educação doméstica, que lhes pertencem, por direito e por obrigação. A escola, na atual conjuntura, precisa ter o foco em capacidades que a ela correspondem, e que não poderiam, facilmente, ser desenvolvidas sem sua intervenção. Ocorre que, com o passar do tempo, mais e mais obrigações, antes desempenhadas pelas famílias, foram lançadas sobre as escolas. A ocasião é favorável para reverter esse processo desastroso.
Assim, digo aos amigos preocupados, aos pais e mães que leem este blog, aos professores: não permitam, na formação de seus filhos e/ou alunos, que outras atividades, ainda que importantes, tomem o lugar da leitura e do desenvolvimento da capacidade de expressar as ideias na forma escrita. Não deem incentivo à preguiça ou às realizações medíocres como se fossem dignas dos maiores elogios. Trabalhoso? Sim, mas que sirva de encorajamento a certeza de que isso é o que se espera de educadores conscientes da importância do que fazem para o futuro das crianças e adolescentes que hoje estão sob sua responsabilidade. 


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