Amigos
leitores, chegamos, afinal, aos quinze anos deste blog. Quando postei o
primeiro texto, em 25 de dezembro de 2009, não imaginava que continuaria este
projeto por tanto tempo. Mas aconteceu.
Agora,
depois de mais de mil e setecentas postagens, a maior parte delas de interesse
permanente, surge a questão: Vale a pena continuar?
Tenho
pensado muito nisto ao longo de 2024. A ideia, no começo do ano, era encerrar o
blog assim que chegasse ao décimo quinto aniversário. Contudo, não sinto que
esteja pronta para o ponto final. Por outro lado, os leitores que me conhecem
“na vida real”, sabem o quanto está difícil encontrar tempo para escrever novos
textos. Assim, ao menos por enquanto, decido continuar, mas sem periodicidade
definida. Ou seja, o blog terá novas postagens sempre que for possível.
Agradeço
o apoio dos leitores habituais e eventuais, porque não seria muito útil gastar
tempo na manutenção de um blog que ninguém lê. Continuem a ler e comentar.
A
todos, desejo que este dia de Natal seja muito feliz, e vamos a 2025, para
descobrir o que o novo ano nos trará.
História, preservação do patrimônio histórico e debate de questões atuais
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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Blog História & Outras Histórias completa quinze anos
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Escravos africanos trazidos ao Brasil entre 1842 e 1852
Alguns números podem ser muito úteis quando se quer entender o impacto da Lei Eusébio de Queirós para o fim do tráfico de africanos escravizados no Brasil. De acordo com Osório Duque-Estrada (²), que a incluiu em A Abolição, a estatística foi levantada por Pereira Pinto, e mostra quantos africanos entraram no Brasil entre 1842 e 1852. Recordem-se, leitores, de que a Lei Eusébio de Queirós entrou em vigor em 1850:
"1842 ........ 17.435
1843 ........ 19.095
1844 ........ 22.249
1845 ........ 19.453
1846 ........ 50.324
1847 ........ 56.172
1848 ........ 60.000
1849 ........ 54.000
1850 ........ 23.000
1851 ........ 3.287
1852 ........ 700" (³)
A inegável eficácia da Lei Eusébio de Queirós na supressão do tráfico de africanos fica, portanto, devidamente comprovada. Por que funcionou, se já havia legislação anterior proibindo o maldito comércio de seres humanos, sem, contudo, a correspondente obediência? Além de fatores internacionais, que passaram a dificultar o tráfico, é fato que a Lei de 1850 teve a virtude de impor medidas drásticas cerceando o desembarque e punindo os traficantes. O crescimento gradual da pressão interna pela abolição completa e definitiva da escravidão reforçou as medidas legais e ajudou a mover a opinião pública nessa que foi, de longe, a questão social mais debatida no Brasil durante o Século XIX.
(1) Cf. RUGENDAS, Moritz. Voyage Pittoresque dans le Brésil. Paris: Engelmann, 1827. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) 1870 - 1927.
(3) DUQUE-ESTRADA, Osório. A Abolição. Brasília: Ed. Senado Federal, 2005, p. 32.
(3) DUQUE-ESTRADA, Osório. A Abolição. Brasília: Ed. Senado Federal, 2005, p. 32.
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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
Traje de mulheres abastadas nos bailes e teatros durante o Primeiro Reinado
Já não era o "tempo do rei". Formalmente independente, o Brasil tinha D. Pedro I como imperador, e ia, aos poucos, mudando os velhos e sisudos costumes dos dias coloniais por outros, que, na moda, sofriam forte influência francesa. É verdade que, nas ruas, ainda eram vistas, eventualmente, mulheres usando as famosas e pesadas mantilhas, cuja finalidade era ocultar todo o corpo, deixando apenas o rosto, ou parte dele, à mostra. Mas entre gente abastada, que frequentava festas luxuosas, bailes e teatros, o trajar feminino tinha outro aspecto. Observador, o mercenário alemão C. Schlichthorst, que esteve na capital do Império entre 1824 e 1826, escreveu:
Contudo, nos dias do Primeiro Reinado, a extravagância estava em pauta, embora, quanto às joias das madames da Corte, Schlichthorst tivesse uma ressalva a fazer:
"No teatro e nos bailes, [as mulheres] aparecem com vestidos [...] cobertos de inúmeras flores e laçarotes de fitas, saiotes de cetim, corpete igual, bordado a ouro ou prata, rico diadema, flores e plumas nos cabelos em agradável combinação. As meias e os sapatos são sempre de seda. Neste ponto, o luxo excede a qualquer expectativa." (¹)O traje das damas que frequentavam a corte imperial era semelhante, porém com mais luxo:
"O traje de corte se assemelha a este (²), leve e transparente como o ar sob um céu abençoado. Um manto de veludo ricamente bordado em ouro e prata, um barrete com flutuantes penas de avestruz e um adorno de brilhante dão-lhe uma dignidade fantástica e imponente. [...]" (³)Quem vive no Século XXI pode achar tal moda muito estranha, mais condizente com uma fantasia de carnaval que com roupa de gente séria em ocasiões que requeriam traje de gala. Mudanças viriam, com certeza, e muito frequentemente, ao longo do Século XIX, quando as publicações francesas voltadas ao público feminino passassem a ser aguardadas com ansiedade. A "última moda em Paris" seria anunciada pelos lojistas que vendiam artigos de vestuário para mulheres que tinham recursos de sobra para tanto.
Contudo, nos dias do Primeiro Reinado, a extravagância estava em pauta, embora, quanto às joias das madames da Corte, Schlichthorst tivesse uma ressalva a fazer:
"[...] nem tudo que ao esplendor das velas lança raios multicores é diamante verdadeiro, porque em nenhuma parte do mundo nesse país dos diamantes se usam tantas pedras falsas" (⁴).
______________________
Traje de uma família brasileira no governo joanino (⁵)
(1) SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro Como É (1824 - 1826), trad. Emmy Dodt e Gustavo Barroso. Brasília: Senado Federal: 2000, p. 92.
(2) Ou seja, o traje na corte era semelhante ao usado nos teatros.
(3) SCHLICHTHORST, C. Op. cit., p. 92.
(4) Ibid.
(3) SCHLICHTHORST, C. Op. cit., p. 92.
(4) Ibid.
(5) Cf. CHAMBERLAIN, Tenente. Vistas e Costumes da Cidade e Arredores do Rio de Janeiro em 1819 - 1820. Rio de Janeiro / São Paulo: Livraria Kosmos Editora, 1943, p. 38. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Venda de frutas na capital do Império
Escravo vendedor (²) |
"As verduras eram poucas e limitadíssimas em variedades. As frutas estavam no mesmo caso. Flores ninguém vendia nem comprava, davam-se como davam-se e trocavam-se as mudas e sementes das que já se cultivavam; quais eram, além das do país? Não estudei a questão floriantiquária, mas que havia cultivo de flores, juro-o, porque havia senhoras." (¹)O correr dos anos, o crescimento e fortalecimento da cidade, a vinda temporária da Corte portuguesa ao Brasil, a Independência, trouxeram modificações significativas, tanto que Daniel P. Kidder, missionário metodista americano (³) que esteve no Rio de Janeiro durante o Período Regencial, pôde afirmar:
"[...] as frutas indígenas são muito variadas e saborosas. Além das laranjas, limas, cocos e abacaxis que são bastante conhecidos entre nós, há mangas, bananas, romãs, mamões, goiabas, jambos, araçás, mangabas e muitas outras espécies, cada uma das quais tem sabor e perfume peculiares.O olhar do estrangeiro que procurava pelas singularidades do país que visitava não deixou escapar o modo como os vendedores ambulantes de frutas atraíam seus fregueses:
Dispondo-se de tão grande variedade de frutas para atender os caprichos ou as necessidades da vida, por certo ninguém tem de que se queixar. Esses artigos são encontrados em profusão nos mercados e apregoados pelas ruas da cidade e dos subúrbios por escravos e negros libertos que os levam geralmente em balaios na cabeça. [...]" (⁴)
"[...] Os vendedores ambulantes passam constantemente pelas ruas apregoando em altas vozes a natureza e a excelência de suas mercadorias ou emitindo algum som indeterminado, apenas para atrair a atenção do público. [...]" (⁵)As condições de transporte no Brasil daquela época eram precárias, e frutas, como todo mundo sabe, têm uma vida útil bem curta. Deviam portanto, ser de produção local ou, no máximo, de pouca distância da capital do Império, para que pudessem chegar aos compradores em estado satisfatório para consumo.
_______________________
Vendedor de frutas no Rio de Janeiro, depois do fim da escravidão e da Proclamação da República (⁶)
(1) MACEDO, Joaquim Manuel de. Memórias da Rua do Ouvidor.
(2) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 110. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) Daniel P. Kidder esteve no Brasil entre 1837 e 1840.
(4) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, trad. Moacir N. Vasconcelos. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 89.
(5) Ibid.
(4) KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, trad. Moacir N. Vasconcelos. Brasília: Senado Federal, 2001, p. 89.
(5) Ibid.
(6) Cf. VALLENTIN, W. In Brasilien. Berlin: Hermann Paetel, 1909. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024
Fome em Roma quando Nero era imperador
Nero (¹) |
Nova falta de víveres ocorreu nos dias de Nero, que àquela altura, já era odiado até pelas pedras que havia nas ruas, em razão dos desmandos que fazia e por cuidar antes dos espetáculos que do sustento da gente romana. Novamente um navio vindo de Alexandria chegou ao porto, mas... Deixemos que Suetônio conte o incidente:
"Um acontecimento ao acaso contribuiu para aumentar o ódio contra ele [Nero], em momento no qual a população passava fome. Um navio chegou ao porto vindo de Alexandria, mas não trazia trigo, e sim areia para os gladiadores da corte." (²)A areia era usada para cobrir o sangue de animais e homens que lutavam em espetáculos públicos. Esperava-se trigo, contudo, já que o Egito era o grande celeiro do mundo romano. A amarga decepção, ao ver frustradas as esperanças por pão quando o navio entrou no porto, fez aflorar a ira das massas contra o jovem imperador, mais preocupado com lutas que com o estômago dos famintos romanos, que até gostavam muito de espetáculos, quando estivessem devidamente alimentados.
(1) Cf. HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 182. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) SUETÔNIO, De vita Caesarum, Livro VI. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) SUETÔNIO, De vita Caesarum, Livro VI. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
Como a notícia do descobrimento do Brasil foi recebida em Portugal
Dom Manuel, rei de Portugal (³) |
Embora haja pouca informação a respeito, no primeiro dos Diálogos das Grandezas do Brasil (¹), obra do começo do Século XVII (²), Brandônio explica a Alviano, seu interlocutor, que, de um fidalgo, ouvira informações muito interessantes:
"Esta província do Brasil é conhecida no mundo com o nome de América, que com mais razão houvera de ser pela terra de Santa Cruz, por ser assim chamada primeiramente de Pedro Álvares Cabral, que a descobriu [...], na segunda armada que el-Rei D. Manuel, de gloriosa memória, mandava à Índia, e acaso topou com esta grande terra não vista nem conhecida até então no mundo, e por lhe parecer o descobrimento notável, despediu logo uma caravela ao Reino com as novas do que achara, e sobre isso me disse um fidalgo velho, bem conhecido em Portugal, algumas coisas de muita consideração." (⁴)Note-se que Brandônio assumia a tese do descobrimento não intencional, mas isso não tem lá grande importância. Já mordido pela curiosidade, Alviano retruca:
"E que é que vos disse esse fidalgo?" (⁵)A resposta, expresse ou não a realidade do que ocorreu em Portugal diante da chegada da notícia do descobrimento, revela muito sobre os costumes da época, quando se desejava avaliar uma novidade como favorável ou infausta:
"Dizia-me ele que ouvira dizer a seu pai, como coisa indubitável, de que a nova de tão grande descobrimento foi festejada muito do magnânimo rei e que um astrólogo, que naquele tempo no nosso Portugal havia de muito nome, por esse respeito levantara uma figura, fazendo computação do tempo e hora em que se descobriu esta terra por Pedro Álvares Cabral, e outrossim do tempo e hora em que teve el-Rei aviso de seu descobrimento, e que achara que a terra novamente descoberta havia de ser uma opulenta província, refúgio e abrigo da gente portuguesa [...]." (⁶)Não quero roubar a graça das conclusões que vocês, leitores, poderiam já ir tirando, mas é preciso dizer que até hoje há controvérsias quanto ao verdadeiro dia em que a esquadra de Cabral chegou ao Brasil, mesmo havendo relato razoavelmente detalhado na Carta de Caminha. Mas, pondo de lado essa preocupação, considerem a última observação de Brandônio, quanto à suposta "profecia" relativa ao futuro do Brasil, e notem o horror que transparece nas palavras de Alviano:
"Não permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a ser o seu refúgio e amparo [...]." (⁷)Não, senhor Alviano, Portugal não precisou e não precisa de amparo. Mas, quanto a refúgio, certamente o Brasil o foi, ao menos para a realeza que aportou no Rio de Janeiro em 1808, bem como para a multidão de imigrantes que chegou aos portos brasileiros nos Séculos XIX e XX, provenientes não só de Portugal, mas de quase todo canto deste mundo. E continuam eles, os imigrantes, a vir para aqui, de outras terras que não aquelas do passado, porque este planeta, afinal, vive em ebulição, e a gente que nele habita precisa, às vezes, mudar de endereço.
(1) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) Os Diálogos foram escritos, portanto, mais de um século após o descobrimento "oficial" em abril de 1500.
(3) Cf. BRITO, Frei Bernardo. Elogios dos Reis de Portugal com os Mais Verdadeiros Retratos que se Puderam Achar. Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1603. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 57.
(5) Ibid., p. 58.
(6) Ibid.
(7) Ibid.
(4) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 57.
(5) Ibid., p. 58.
(6) Ibid.
(7) Ibid.
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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Cultivo de algodão na Província de São Paulo durante e após a Guerra Civil Americana
A Guerra de Secessão (²) nos Estados Unidos teve algum impacto na economia brasileira. Estados sulistas dos Estados Unidos, agora em guerra, deixaram de fornecer algodão ao mercado internacional, principalmente à Inglaterra. Em consequência, os preços do produto se elevaram, tornando-se atraentes para fazendeiros do Brasil, onde clima e solo favoráveis ao cultivo de algodão não faltavam.
Joaquim Floriano de Godoy, senador do Império, explicou:
Joaquim Floriano de Godoy, senador do Império, explicou:
"A guerra civil dos Estados Unidos suprimiu repentinamente o principal mercado produtor. Os preços elevaram-se a quase 300% e induziram os lavradores paulistas a entregarem-se a esta cultura." (³)Não se imagine, porém, que esse breve período favorável tornou a agricultura algodoeira do Brasil internacionalmente competitiva. O fenômeno foi apenas circunstancial, já que, finda a guerra, a produção americana foi gradualmente retomada e, em consequência, as exportações brasileiras perderam espaço. Segundo Joaquim Floriano de Godoy, apenas perseveraram em cultivar algodão aqueles fazendeiros cujas terras não se mostravam propícias à agricultura cafeeira. Um detalhe interessante, porém, ainda de acordo com o mesmo autor, é que onde se plantava algodão, a mão de obra era, quase sempre, livre, e não cativa, como ocorria na maioria das fazendas de café:
"A maior parte do pessoal empregado nesta cultura [do algodão] é livre, porque ela exige muito menor soma de capitais e o resultado é liquidável no espaço de um ano." (⁴)Não obstante, o café continuou a preponderar, até que, já no Século XX, a crise de superprodução, aliada ao cenário econômico internacional absolutamente desfavorável, forçou uma mudança, com todas as consequências políticas e econômicas tão bem conhecidas.
(1) Cf. SELLIN, Alfred Wilhelm. Das Kaiserreich Brasilien. Leipzig: Frentag, 1885, p186. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) 1861 - 1865.
(3) GODOY, Joaquim Floriano de. A Província de S. Paulo. Rio de Janeiro: Typ. do Diário do Rio de Janeiro, 1875, p. 127.
(4) Ibid.
(2) 1861 - 1865.
(3) GODOY, Joaquim Floriano de. A Província de S. Paulo. Rio de Janeiro: Typ. do Diário do Rio de Janeiro, 1875, p. 127.
(4) Ibid.
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segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
Sobre a harmonia na música e a paz em uma cidade
Marco Túlio Cícero (³) |
"Aquilo que no canto os músicos chamam harmonia é, na cidade, a concórdia [entre os cidadãos], vínculo máximo nas questões públicas, mas impossível de ser mantido sem justiça." (²)Por "cidade", Cícero entendia, provavelmente, a cidade-Estado, ou, ao menos, uma cidade com bastante autonomia, que, como quase toda unidade política, seria formada por camadas sociais desiguais. Assim, se admitida a comparação da harmonia na sociedade à harmonia entre cantores, provavelmente deveríamos esperar que o político fosse alguém capaz de reger o Estado como um regente de coro, extraindo concórdia, por meio da justiça, mesmo na desigualdade. Que tal a ideia de Cícero?
(1) 106 a.C. - 43 a.C.
(2) CÍCERO, Marco Túlio. De re publica, c; 51 a.C. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Cf. HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 161. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Manaus antes da borracha
Durante os anos em que a exploração e exportação da borracha fez de Manaus um centro importante no norte do Brasil, a cidade cresceu, tanto economicamente como em população, e ganhou prédios que até hoje são admirados. Mas como era Manaus antes da borracha?
Uma breve descrição, presente nos registros feitos pelo casal Agassiz, que visitou o Brasil entre os anos 1865 e 1866, dará uma resposta simples, se quem lê tiver um pouco de imaginação:
"Que poderei dizer da cidade de Manaus? É uma pequena reunião de casas, a metade das quais parece prestes a cair em ruínas, e não se pode deixar de sorrir ao ver os castelos oscilantes decorados com o nome de edifícios públicos: Tesouraria, Câmara Legislativa, Correios, Alfândega, Presidência. Entretanto, a situação da cidade, na junção do rio Negro, do Amazonas e do Solimões, foi das mais felizes na escolha. Insignificante hoje, Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação. [...]" (²)Não era mesmo para impressionar ninguém, como muitas outras povoações ribeirinhas contemporâneas, com sua vidinha sossegada, até sonolenta. Mas aí veio a febre da borracha, e tudo mudou. Mesmo com o declínio extrativista do látex, Manaus nunca mais seria a mesma.
(1) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 415. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) AGASSIZ, Jean Louis R. e AGASSIZ. Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866, trad. Edgar Süssekind de Mendonça. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 196.
(2) AGASSIZ, Jean Louis R. e AGASSIZ. Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866, trad. Edgar Süssekind de Mendonça. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 196.
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quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
Impacto das catástrofes naturais na Antiguidade
Algumas catástrofes naturais são previsíveis, enquanto outras, ainda não. É possível, atualmente, prever quando um furacão está a caminho, de modo que a população pode ser deslocada a tempo de que, pelo menos, não se percam muitas vidas humanas. Mas não existe, ainda, uma previsão confiável e exata de quando e onde um terremoto ocorrerá.
A maioria dos países tem, em nossos dias, algum tipo de estrutura devidamente estabelecida para uma resposta rápida em caso de ocorrência de uma catástrofe natural. Há pessoal treinado para o resgate de feridos, para assistência médica e para a pronta reconstrução de prédios e vias públicas, se necessário. Mas não era assim na Antiguidade.
Catástrofes naturais eram, quase sempre, atribuídas pelos antigos à fúria dos deuses, fosse por se desagradarem com a conduta humana ou simplesmente porque, poderosos, extravasavam a raiva e irritação, com motivo ou sem ele, sobre os pobres mortais. O certo é que o estágio tecnológico em que se encontravam os diferentes povos da Antiguidade inviabilizava uma resposta imediata às catástrofes, com o agravante de que, como as notícias se deslocavam tão lentamente como lentos eram os transportes, dificilmente se poderia esperar ajuda que viesse de áreas não atingidas.
Em consequência, uma grande catástrofe podia, até, conduzir à destruição de um povo ou à desintegração de uma cultura. Para comprovação desse fato basta considerar o que aconteceu com a civilização minoica em Creta, ou com a ilha de Tera pela erupção do vulcão Santorini.
A maioria dos países tem, em nossos dias, algum tipo de estrutura devidamente estabelecida para uma resposta rápida em caso de ocorrência de uma catástrofe natural. Há pessoal treinado para o resgate de feridos, para assistência médica e para a pronta reconstrução de prédios e vias públicas, se necessário. Mas não era assim na Antiguidade.
Catástrofes naturais eram, quase sempre, atribuídas pelos antigos à fúria dos deuses, fosse por se desagradarem com a conduta humana ou simplesmente porque, poderosos, extravasavam a raiva e irritação, com motivo ou sem ele, sobre os pobres mortais. O certo é que o estágio tecnológico em que se encontravam os diferentes povos da Antiguidade inviabilizava uma resposta imediata às catástrofes, com o agravante de que, como as notícias se deslocavam tão lentamente como lentos eram os transportes, dificilmente se poderia esperar ajuda que viesse de áreas não atingidas.
Em consequência, uma grande catástrofe podia, até, conduzir à destruição de um povo ou à desintegração de uma cultura. Para comprovação desse fato basta considerar o que aconteceu com a civilização minoica em Creta, ou com a ilha de Tera pela erupção do vulcão Santorini.
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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024
Prudente de Morais
Prudente José de Morais Barros, ou simplesmente Prudente de Morais, se for preferida a forma abreviada como ficou conhecido, foi presidente do Brasil entre 1894 e 1898. Terceiro a ocupar esse posto, foi, contudo, o primeiro civil, já que seus antecessores, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, eram militares.
Outro detalhe interessante sobre Prudente de Morais é que foi o primeiro presidente eleito por voto direto, malgrado as condições em que se faziam as eleições na época. Sobre sua eleição, especificamente, Machado de Assis escreveu na edição de 10 de novembro de 1894 do jornal carioca Gazeta de Notícias:
Prudente de Morais, nascido em Itu - SP em 1841, faleceu no dia 3 de dezembro de 1902 em Piracicaba - SP, onde foi sepultado. As fotos abaixo mostram o túmulo erguido em sua homenagem.
Outro detalhe interessante sobre Prudente de Morais é que foi o primeiro presidente eleito por voto direto, malgrado as condições em que se faziam as eleições na época. Sobre sua eleição, especificamente, Machado de Assis escreveu na edição de 10 de novembro de 1894 do jornal carioca Gazeta de Notícias:
"As urnas deram cerca de trezentos mil votos ao Sr. Dr. Prudente de Morais, muitas centenas a alguns nomes de significação republicana ou monárquica, algumas dezenas a outros, seguindo-se uma multidão de nomes sabidos ou pouco sabidos, que apenas puderam contar um voto." (*)Não estranhem leitores, o reduzido número de votos que coube ao presidente eleito: o voto deixara de ser censitário, como no Império, mas ainda era preciso ser alfabetizado e comprovar residência fixa para ser eleitor. Apenas os homens votavam, e isso reduzia drasticamente o número de brasileiros habilitados a expressar sua vontade em dia de eleição, embora essa expressão, por si mesma, já estivesse demasiadamente comprometida pelo modo como as eleições se realizavam. Para que se fizessem eleições verdadeiramente democráticas, não bastava, como se sabe, estabelecer decretos ou cantar, a plenos pulmões, o hino da República: "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós..."
Prudente de Morais, nascido em Itu - SP em 1841, faleceu no dia 3 de dezembro de 1902 em Piracicaba - SP, onde foi sepultado. As fotos abaixo mostram o túmulo erguido em sua homenagem.
(*) GAZETA DE NOTÍCIAS, A Semana, 18 de novembro de 1894.
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sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Escravos transportavam mudanças no Rio de Janeiro
Escravo carregador (²) |
Nada disso. Eram escravos, próprios ou contratados, que faziam o transporte de todas as tralhas que deviam mudar de lugar, evidência inequívoca do atraso técnico e dos costumes na capital do Império, e não só nela, mas em quase toda povoação no Brasil desse tempo. Um autor empenhado na luta abolicionista, Frederico Leopoldo César Burlamaqui, escreveu, em obra publicada no ano de 1837 (¹):
"[...] Causa riso ver nas ruas da capital, a mais polida cidade e a mais adiantada do Império, trinta ou quarenta escravos conduzindo em grande algazarra outros tantos fardos às cabeças, quando um só carro puxado por uma ou duas parelhas de bestas faria o mesmo serviço com dobrada celeridade e metade da despesa! Causa nojo ver uma enorme e informe zorra levar, em quatro ou cinco horas e a pouca distância, uma única pipa, que dez ou doze negros arrastam penosamente por cima de calçadas [...], destruindo de contínuo as ruas e ameaçando estropiar os viandantes, quando um carro convenientemente construído poderia levar seis ou oito destas pipas em alguns minutos e com dobrada celeridade a grandes distâncias! [...]" (³)Duas décadas mais tarde, o pintor francês Auguste François Biard (⁴) observou o mesmo procedimento para a realização de uma mudança no Rio de Janeiro:
"[...] Logo que cheguei aqui (⁵) tive de interromper, um dia, o que estava fazendo, impelido pela curiosidade; ouvira uns sons estranhos de uma ponta à outra da rua; era apenas uma mudança. Cada negro conduzia um móvel, grande ou pequeno, leve ou pesado, conforme a sorte de cada um; e esses carregadores executavam sua tarefa obedecendo a um certo ritmo, entoando um canto, gutural por vezes, em que uma ou duas sílabas eram repetidas. Havia alguns que transportavam barris vazios três vezes maiores que as suas pessoas, e no fim de tudo vinha um piano de cauda carregado por seis homens, em duas filas. [...]" (⁶)Seria até pitoresco, não fosse o fato de que, afinal, era mais um aspecto da exploração da força de trabalho dos escravizados. Quem se preocuparia em encontrar algum modo mais razoável de se fazer uma mudança se havia escravos para isso? Somente a abolição definitiva do trabalho escravo poria fim a tamanho absurdo.
(1) Acredita-se que a Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica tenha sido escrita por volta de 1834.
(2) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 94. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) BURLAMAQUI, Frederico Leopoldo César. Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica. Rio de Janeiro: Tipografia Comercial Fluminense, 1837, p. 120.
(4) Viajou pelo Brasil entre 1858 e 1859.
(3) BURLAMAQUI, Frederico Leopoldo César. Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica. Rio de Janeiro: Tipografia Comercial Fluminense, 1837, p. 120.
(4) Viajou pelo Brasil entre 1858 e 1859.
(5) No Rio de Janeiro.
(6) BIARD, Auguste François. Dois Anos no Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 46.
(6) BIARD, Auguste François. Dois Anos no Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 46.
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quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Vestuário dos babilônios
Busto de Heródoto (³) |
Não foi diferente com os babilônios, cujo vestuário, Heródoto (¹) assim descreveu:
"[...] vestem, como roupa interior, uma túnica longa de linho, e sobre ela outra de lã e, por cima disso, um casaco branco. Os sapatos que calçam são parecidos aos dos gregos da Beócia. Têm os cabelos longos, que prendem e, sobre eles, usam turbantes. Costumam usar perfumes de qualidade e cada homem tem um anel com seu selo pessoal e uma bengala ou bastão entalhado, em cujo punho se vê a imagem de uma maçã, rosa [...] ou outra figura qualquer, pois isso é o costume entre eles." (²)A Babilônia dos dias de Heródoto estava em decadência, desde que fora conquistada, no Século VI a.C., por um vasto exército comandado por Ciro, o Grande. Muita coisa mudara na cidade e na área que dominara, com seguidas rebeliões e declínio econômico. Corresponderia a descrição de Heródoto ao trajar usual de um babilônio típico dos dias de glória? É bastante provável, ainda que alguns detalhes podem ter-se perdido com o tempo.
(1) Século V a.C.
(2) HERÓDOTO, Histórias. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Cf. HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 16. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Como terminou a primeira viagem de circum-navegação
Dia 6 de setembro de 1522: dezoito homens esquálidos em decorrência de indizíveis privações, chegam ao porto de Sanlúcar de Barrameda, Espanha, em uma embarcação que, literalmente, cai aos pedaços. Eram os únicos a completar aquela que, até onde se sabe, foi a primeira viagem de circum-navegação.
No diário de Antonio Pigafetta, espanhol que se juntara à expedição comandada por Fernão de Magalhães, e que foi um dos dezoito a voltar, lê-se:
"Graças à Providência, no sábado, dia 6 de setembro, entramos na baía de Sanlúcar, e, dos sessenta tripulantes que éramos ao sair das ilhas Molucas, só restamos dezoito, quase todos doentes. Quanto aos outros, houve os que fugiram para ficar no Timor, alguns foram sentenciados à morte em decorrência de crimes cometidos, e outros, ainda, morreram de fome." (¹)Pode-se imaginar qual terá sido a reação dos habitantes de Sanlúcar ao ver chegar esses intrépidos sofredores, depois de sua louca aventura no mar!
Dois dias mais tarde, os navegadores foram a Sevilha e, para contar que, afinal estavam de volta, dispararam toda a artilharia do navio - ou o que restava dela. No dia seguinte, 9 de setembro, terça-feira, desembarcaram e foram a terra. Não para casa, porém, e sim a cumprir promessa feita em viagem:
"[...] descalços e levando uma vela na mão, fomos às igrejas de Nossa Senhora da Vitória e de Santa Maria da Antigua, conforme promessa que fizéramos nas ocasiões de angústia." (²)Enquanto esses celebravam a volta, é possível que, em muitas casas, lágrimas caíssem pelos que nunca voltariam.
(1) Os trechos do diário de Antonio Pigafetta aqui citados foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Ibid.
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sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Gado andava solto dentro da vila de São Paulo no Século XVII
Havia gado passeando à vontade pelas ruas da vila de São Paulo no Século XVII. Por consequência, havia vestígios da passagem dos animais em toda parte, o que incluía o adro das igrejas. Que falta de respeito!...
Diante disso, a Câmara da vila decidiu, em 22 de novembro de 1624, que os proprietários dos animais deveriam ser notificados para limpar os arredores das igrejas, ainda que não se fizesse menção de mantê-los em lugar seguro, longe das vias públicas e residências:
Recomendou-se, em seguida, que o escrivão da Câmara efetuasse as notificações. Problema resolvido? Não, ao que parece, porque no ano seguinte já com novos oficiais (³), o assunto do gado que andava solto na vila voltou a ser discutido, sendo, desta vez, ordenado aos proprietários que prendessem os animais à noite, porque causavam problemas não só no adro das igrejas, mas em outros pontos da povoação:
"[...] pelos oficiais foi acordado que o gado que anda nesta vila faz muito dano às igrejas, pelo que mandaram fossem notificados os donos deles, a saber, Bartolomeu Gonçalves tenha cuidado de limpar o adro do Colégio (¹) e o adro da Santa Misericórdia, e Aleixo Jorge tenha cuidado de limpar o adro da Matriz e o adro de Nossa Senhora do Carmo, [...] terão cuidado de mandarem fazer isto todos os dias [...]." (²)Seria apenas mais uma notificação de rotina na administração da vila de São Paulo, a não ser pelo fato de que o escrivão das execuções, a quem competia fazer as notificações, simplesmente se recusou a tal tarefa, levando os camaristas, em 21 de dezembro, à decisão de afastá-lo das funções que exercia pelo prazo de quinze dias.
Recomendou-se, em seguida, que o escrivão da Câmara efetuasse as notificações. Problema resolvido? Não, ao que parece, porque no ano seguinte já com novos oficiais (³), o assunto do gado que andava solto na vila voltou a ser discutido, sendo, desta vez, ordenado aos proprietários que prendessem os animais à noite, porque causavam problemas não só no adro das igrejas, mas em outros pontos da povoação:
"[...] foi mandado a mim, escrivão, notificasse Aleixo Jorge e Bartolomeu Gonçalves, que cada um deles, com pena de cinco tostões [...], todas as noites mandassem encerrar o seu gado, visto danificar o adro das igrejas nesta vila e as casas dos moradores e os caminhos e entradas desta vila, tudo estava danificado, o que era em prejuízo deste povo [...]."A multa estipulada, em caso de desobediência, não era grande coisa, mas havia falta crônica de dinheiro amoedado na vila. Não é impossível que, eventualmente, proprietários de gado achassem que valia a pena ignorar as ordens da Câmara. Esses prosaicos incidentes mostram, contudo, como era a prosaica vida na prosaica vila de São Paulo pelas alturas do Século XVII. Quem ousaria falar em expulsão do gado e de seus proprietários, sabendo que, nesse tempo, era difícil encontrar quem fornecesse carne suficiente para a população?
(1) Tratava-se do Colégio dos Jesuítas.
(2) Os trechos de atas da Câmara de São Paulo aqui citados foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão.
(3) As eleições para a administração local eram anuais.
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quarta-feira, 20 de novembro de 2024
Crimes dos traficantes de escravos
A luta pela extinção do tráfico de africanos escravizados e pela abolição da escravidão, em si, foi um processo longo no Brasil, que ocupou grande parte do Século XIX, e praticamente a totalidade da vida nacional após a Independência.
D. João VI se comprometera a abolir o tráfico, mas foi somente na década de 1830 que, legalmente, houve uma proibição formal, que não se cumpriu. Nesse tempo é que um pequeno livro com um título enorme, Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica (¹), escrito por Frederico Leopoldo César Burlamaqui, foi publicado e começou a circular, atacando as inconveniências da escravidão, sob os mais diversos aspectos. Seu autor, em poucas palavras, expressou muito bem por que razão o tráfico de africanos era, afinal, um crime contra a humanidade:
D. João VI se comprometera a abolir o tráfico, mas foi somente na década de 1830 que, legalmente, houve uma proibição formal, que não se cumpriu. Nesse tempo é que um pequeno livro com um título enorme, Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica (¹), escrito por Frederico Leopoldo César Burlamaqui, foi publicado e começou a circular, atacando as inconveniências da escravidão, sob os mais diversos aspectos. Seu autor, em poucas palavras, expressou muito bem por que razão o tráfico de africanos era, afinal, um crime contra a humanidade:
"Amontoar indivíduos da espécie humana no interior de um navio, carregá-los de ferros (²), exterminá-los ao menor sinal de resistência, dar-lhes um sustento insalubre e mesquinho, negar-lhes as vestimentas que cubram a nudez, trazê-los ao mercado como brutos animais, e vender para sempre a sua liberdade, a de seus filhos e descendentes; degradar assim uma parte do gênero humano, negando a seu respeito a existência de todos os deveres morais, e entregá-la ao exercício contínuo de todas as violências, de que a mais refinada tirania pode ser suscetível: eis o quadro resumido dos crimes de que são responsáveis perante Deus e os homens, os primeiros introdutores de escravos, e seus imitadores!" (³)Como ativista pelo fim da escravidão, Burlamaqui não supunha que apenas uma proibição seria efetiva para suprimir o tráfico de africanos; defendia a pena de morte para os que isso faziam, porque, afinal, não passavam de piratas:
"Penso que o melhor meio de os convencer [os traficantes de africanos] seria o de aplicar-lhes as penas mais fortes, e fazer a lei a mais rigorosa, digo mesmo a mais bárbara, que de uma vez cortasse o cancro pela raiz, exterminando a todos os contrabandistas [de escravos], seus cúmplices e protetores, sem admitir desculpas e subterfúgios; e tanto mais pois que tais malvados são piratas estrangeiros que as leis pátrias não devem favorecer de maneira alguma." (⁴)Embora, durante o Império, a pena capital fosse admitida no Brasil, nunca foi prevista para traficantes de escravos. Apesar disso, uma lei de 1850, respaldada inclusive pelas circunstâncias daquele momento, resultou, finalmente, na extinção do tráfico. Disto já tratamos neste blog, ao falar da Lei Eusébio de Queirós.
(1) Publicado em 1837, provavelmente foi escrito por volta de 1834.
(2) "Carregar de ferros" significa acorrentar.
(3) BURLAMAQUI, Frederico Leopoldo César. Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica. Rio de Janeiro: Tipografia Comercial Fluminense, 1837, p. 2.
(4) Ibid., p. 9.
(2) "Carregar de ferros" significa acorrentar.
(3) BURLAMAQUI, Frederico Leopoldo César. Memória Analítica Acerca do Comércio de Escravos e Acerca dos Males da Escravidão Doméstica. Rio de Janeiro: Tipografia Comercial Fluminense, 1837, p. 2.
(4) Ibid., p. 9.
(5) THE YEAR'S ART. New York, Harry C. Jones, 1893, p. 122. Obra de Frederic Remington. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Desmatamento, há cento e vinte anos
Vivemos em dias difíceis, quanto às questões ambientais. Alguns problemas são claramente causados por ação humana - desmatamento, por exemplo - enquanto outros ainda requerem maiores estudos, mesmo que seja fácil admitir que a mão do homem, indiretamente, também esteja neles. Mas, como este é um blog voltado prioritariamente à História, vamos falar do desmatamento e suas consequências, não hoje, mas há cento e vinte anos.
Coelho Neto, em obra publicada em 1904, afirmou:
No começo do Século XX, as matas eram derrubadas para dar espaço a novas áreas de cultivo de café; também se desmatava para prover lenha para as locomotivas a vapor e para a colocação de dormentes nos trilhos das ferrovias que iam sendo implantadas. Ora, o problema do fornecimento de lenha para as ferrovias foi manejado mediante a introdução e cultivo de espécies vegetais de crescimento rápido, que não interferissem na preservação das matas nativas. Que dizer, porém, daquilo que estamos presenciando? Haverá tempo, ainda, para soluções inteligentes?
"Com a morte das árvores desaparecem as fontes; rios que rolavam águas abundantes derivam agora em filetes rasos e tão escassos que uma quente semana de verão é bastante para secá-los [...]. Estrangeiros que percorrem o interior voltam impressionados com a ausência de pássaros [...], tudo é silencioso, e viaja-se longamente, ao sol, sem um oásis, sem uma árvore, mas os tocos adustos, que apontam à flor da terra, atestam a existência anterior de florestas grandiosas - levou-as o machado, arrasou-as o fogo [...]. O ar vicia-se, o mesmo clima modifica-se, e isto é notado pelos velhos moradores desses lugares, dantes bem-regados e sadios, e hoje secos, ingratos e insalubres, onde o homem não vive, nem a sementeira vinga." (¹)É de provocar riso o modo como se fazia derrubada de árvores nesses dias já distantes:
"Um ferro de bom gume (²), o carro e quatro juntas de bois bastam ao que vai à floresta, e quem atravessa as estradas ouve monotonamente os golpes do machado, de repente um grito de aviso e logo o estrondo da queda da árvore talhada." (³)Comparem, leitores, o som e a velocidade do desmatamento descrito por Coelho Neto àquilo que se faz com umas poucas motosserras.
No começo do Século XX, as matas eram derrubadas para dar espaço a novas áreas de cultivo de café; também se desmatava para prover lenha para as locomotivas a vapor e para a colocação de dormentes nos trilhos das ferrovias que iam sendo implantadas. Ora, o problema do fornecimento de lenha para as ferrovias foi manejado mediante a introdução e cultivo de espécies vegetais de crescimento rápido, que não interferissem na preservação das matas nativas. Que dizer, porém, daquilo que estamos presenciando? Haverá tempo, ainda, para soluções inteligentes?
(1) COELHO NETO, Henrique Maximiano. A Bico de Pena.
(2) Machado.
(3) COELHO NETO, Henrique Maximiano. Op. cit.
(3) COELHO NETO, Henrique Maximiano. Op. cit.
(4) Cf. SELLIN, Alfred Wilhelm. Das Kaiserreich Brasilien. Leipzig: Frentag, 1885, p. 167. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Altares para os deuses nos portos de Atenas
Pausânias foi um grego que viveu no Século II d.C., e fez-se notável por ter prestado um grande serviço à posteridade: escreveu uma Descrição da Grécia, contando em detalhes como era a Hélade de seus dias. Não fosse por ele, e não saberíamos muitas coisas desse tempo, perdidas nos escombros da civilização.
Ao falar de Atenas, a Descrição da Grécia coloca o leitor na posição de um viajante que chega à cidade por um de seus portos. Pausânias esclarece, então, que em tempos remotos, o único porto era o de Falero, e foi só no tempo de Temístocles que o Pireu tornou-se o mais importante. Apesar disso, Falero ainda era usado, porque ficava mais perto da cidade. Quem viajava entre cidades gregas, geralmente chegava por ele, assim como os navios menores, com menos carga, preferiam-no. O Pireu era para grandes negociantes e embarcações maiores.
Politeístas como eram, os gregos amontoavam estátuas e altares para seus deuses junto aos portos. Não era bom correr o risco de irritar alguma das irascíveis divindades do Olimpo, nem mesmo algum dos heróis, igualmente cultuados. Seguindo a linha de raciocínio de Pausânias (*), quem chegava a Atenas pelo porto de Falero, poderia ver um belo templo em honra da deusa mais importante da cidade, Atena, e, a alguma distância, outro para o culto a Zeus. Vinham então, altares que homenageavam os heróis mitológicos da cidade, filhos de Teseu e Falero, que teria navegado com Jason em tempos distantes, e outro dedicado a um filho de Minos. No meio de muitos outros, um altar consagrado aos deuses cujo nome os atenienses desconheciam. Ainda assim, a cidade e seus habitantes pretendiam obter sua proteção e bom humor. Era politeísmo no mais alto grau, embora, nos dias de Pausânias, os velhos cultos fossem, já, mais convenção que convicção.
Ao falar de Atenas, a Descrição da Grécia coloca o leitor na posição de um viajante que chega à cidade por um de seus portos. Pausânias esclarece, então, que em tempos remotos, o único porto era o de Falero, e foi só no tempo de Temístocles que o Pireu tornou-se o mais importante. Apesar disso, Falero ainda era usado, porque ficava mais perto da cidade. Quem viajava entre cidades gregas, geralmente chegava por ele, assim como os navios menores, com menos carga, preferiam-no. O Pireu era para grandes negociantes e embarcações maiores.
Politeístas como eram, os gregos amontoavam estátuas e altares para seus deuses junto aos portos. Não era bom correr o risco de irritar alguma das irascíveis divindades do Olimpo, nem mesmo algum dos heróis, igualmente cultuados. Seguindo a linha de raciocínio de Pausânias (*), quem chegava a Atenas pelo porto de Falero, poderia ver um belo templo em honra da deusa mais importante da cidade, Atena, e, a alguma distância, outro para o culto a Zeus. Vinham então, altares que homenageavam os heróis mitológicos da cidade, filhos de Teseu e Falero, que teria navegado com Jason em tempos distantes, e outro dedicado a um filho de Minos. No meio de muitos outros, um altar consagrado aos deuses cujo nome os atenienses desconheciam. Ainda assim, a cidade e seus habitantes pretendiam obter sua proteção e bom humor. Era politeísmo no mais alto grau, embora, nos dias de Pausânias, os velhos cultos fossem, já, mais convenção que convicção.
(*) Cf. PAUSÂNIAS. Descrição da Grécia, Livro I.
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quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Como se vestiam os homens que iam à Corte durante o Governo Joanino
Para que alguém se apresentasse diante do príncipe regente, depois rei Dom João VI, era preciso que se vestisse decentemente, dentro dos padrões da moda da época. Mas como era isso?
Joaquim Manuel de Macedo, em Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro, explicou:
Joaquim Manuel de Macedo, em Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro, explicou:
"Somente de calções e meias de seda ia-se naquele tempo ao paço, fazer a corte ao rei, e os magistrados usavam, por mais requinte de tafularia (¹), levar aberta a beca para mostrar os calções e as meias de seda." (²)O detalhe curioso é que esta moda um tanto ridícula - pelos padrões atuais, mas não daquela época - somente foi abandonada, ainda de acordo com Macedo, por volta do tempo em que ocorreu a antecipação da maioridade do segundo imperador do Brasil:
"[...] O triunfo das calças teve lugar apenas em 1840, com satisfação indizível de todas as pernas finas e de todas as pernas grossas demais.Calças como representantes da democracia? Ora, reconheçamos, que exagero! Mas houve quem, a despeito da nova moda, perseverasse na antiga:
Os calções e as calças podiam bem servir não só para representar duas épocas distintas, mas ainda dois princípios que se contrariam. Teríamos em tal caso os calções representando a aristocracia, e as calças a democracia." (³)
"Se aceitarem a ideia, pode bem ficar determinado que o último e fiel representante da aristocracia no Brasil foi um antigo inspetor de quarteirão da freguesia de São José, homem constante, que até o último dia da sua vida, anos depois de 1840, usou de calções de ganga amarela." (⁴)O tal homem tinha o direito de usar a roupa que quisesse. Mas é de se admitir que, provavelmente, ao vê-lo, parecesse aos circunstantes que estavam fazendo uma viagem no tempo.
(1) Exagero no rigor ao vestir-se.
(2) MACEDO, Joaquim Manuel de. Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 44.
(3) Ibid.
(4) Ibid.
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segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Mulheres do Brasil Colonial que viviam trancadas em casa
Houve alguma mulher que dirigisse capitania hereditária no Brasil? Sim, ao menos na menoridade do herdeiro, mas isto era exceção. Houve senhoras de engenho? Sim, mas eram exceção. Houve mulheres que comandavam fazenda e escravos na ausência do marido bandeirante em São Paulo? Certamente, embora, neste caso, até fossem numerosas. A maioria das mulheres do Brasil Colonial não tinha oportunidade de frequentar escola e, por isso, muitas não eram capazes sequer de assinar o próprio nome. Exceções? Algumas, como foi, por exemplo, uma religiosa mencionada por frei Antônio de Santa Maria Jaboatão em Novo Orbe Seráfico Brasílico (¹):
Por que esse costume bárbaro?
A justificativa da época é que assim se fazia para preservar a moralidade e honra da família. Citando mais uma vez frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, veja-se esta referência à casa de certo homem chamado Bartolomeu Nabo Correa:
"[...] Nunca teve o tempo ocioso porque ainda algum, que lhe restava dos seus espirituais exercícios e outras ocupações, o gastava em ensinar a umas a língua latina, que sabia muito bem, e a outras a doutrina cristã." (²)Contudo, muitas mulheres que viveram no Brasil Colonial tinham uma existência de prisioneiras na casa em que moravam, isso quando não eram obrigadas, pelos homens da família, a ingressar em um convento ou em um "recolhimento".
Por que esse costume bárbaro?
A justificativa da época é que assim se fazia para preservar a moralidade e honra da família. Citando mais uma vez frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, veja-se esta referência à casa de certo homem chamado Bartolomeu Nabo Correa:
"[...] vulgarmente se comparava a casa do capitão Bartolomeu Nabo Correa com a clausura do mais religioso convento de freiras capuchas, porque nunca lhe viram porta ou janela aberta, grande documento para os pais de famílias, tendo por certo que tanto perigo correm as mulheres vendo, como sendo vistas, pois pelas janelas dos sentidos entram as distrações dos cuidados." (³)Jaboatão contou esse caso horroroso na intenção de servir como bom exemplo, mas não se pode supor que toda família vivesse em tal exagero. Mas as mantilhas que quase todas as mulheres vestiam ao sair de casa e as gelosias que vedavam as janelas e varandas são testemunho poderoso das condições e limites impostos às mulheres dos tempos coloniais.
(1) Obra datada de 1757.
(2) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil, Segunda Parte. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1859, p. 774.
(3) Ibid., p. 686.
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