No Brasil, durante muito tempo, escravos foram libertados apenas por decisão do proprietário, isso porque era improvável que alguém que trabalhasse nas lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste conseguisse obter o dinheiro necessário para a compra da liberdade. A possibilidade de que um escravo chegasse a ser livre aumentou à medida que a mineração ganhou importância: era possível faiscar ouro nas horas vagas, e alguns cativos, com sorte, chegavam a juntar o bastante para a alforria. Além disso, era comum que um escravo que encontrasse uma grande quantidade de ouro fosse, em recompensa, alforriado, mas havia, também, senhores tão sovinas que, mesmo enriquecendo do dia para a noite, nem por isso concediam a liberdade ao cativo que fizera tão feliz descoberta.
Contudo, há registros de alguns escravos que obtiveram a liberdade em circunstâncias curiosas. Veremos alguns casos.
1. Escravos da Fazenda de Santa Cruz, que carregaram a cadeirinha de arruar de D. João enquanto esteve doente, foram por ele libertados:
"Eram doze os escravos que carregavam o príncipe regente; e este, em reconhecimento a tão bons serviços, os libertou e às suas mulheres, filhos e pais, dando-lhes uma pensão suficiente." (¹)
2. Escravos que carregaram a liteira de D. Leopoldina em sua visita a Salvador, no ano de 1826, foram alforriados:
"[...] indo o imperador com as pessoas imperiais debaixo do pálio, acompanhado por todas as autoridades e pessoas notáveis da cidade, subindo pela ladeira da Preguiça, indo a imperatriz em uma cadeira mui rica e a princesa em outra (²), e os carregadores vestidos de jaquetas verdes agaloadas e chapéus com armas de prata. Esses pretos carregadores tiveram carta de liberdade." (³)
3. O casal Agassiz, liderando a Expedição Thayer, assistiu a um casamento no Rio de Janeiro. Depois de recriminar, com absoluta razão, a rudeza do clérigo que oficiou a cerimônia, veio a observação:
"O novel esposo já era um liberto; a sua esposa foi libertada e recebeu ainda da liberalidade do senhor um pequeno terreno como dote..." (⁴)
4. Já nos estertores da escravidão, quando o movimento abolicionista era intenso, integrantes da comissão que deveria realizar estudos para implantação da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré foram recepcionados no Pará com um banquete, no qual a libertação de um escravo foi anunciada:
"O Dr. Cordeiro de Castro representa a Sociedade Filantrópica Emancipadora, e em nome dela vem trazer as mais entusiásticas saudações à comissão de engenheiros; e como prova significativa dos seus sentimentos anuncia a manumissão do escravo Ladislau, um dos criados que servem a mesa, cuja carta confia ao Dr. Morsing para entregar pessoalmente ao novo concidadão.
Uma salva de palmas acolheu as últimas palavras do orador, e todos os convivas se mostraram sensibilizados com a agradabilíssima surpresa.
O Dr. Morsing, expressando a Ladislau os votos que fazia para que fosse um cidadão útil à sociedade, entregou-lhe a carta de redenção, a qual mais tarde foi assinada por todos os engenheiros." (⁵)
5. Para concluir, voltemos no tempo à Roma Antiga. De acordo com Suetônio (⁶), no ano 37 a.C. Otávio, depois chamado César Augusto, libertou vinte mil escravos. Generosidade? Talvez não. A ideia é que trabalhassem como remadores em uma esquadra que acabara de construir.
(1) MORAES, Alexandre José de Mello. Crônica Geral do Brasil vol. 2. Rio de Janeiro: Garnier, 1886, p. 117.
(2) Cadeiras de arruar.
(3) MORAES, Alexandre José de Mello. Op. cit., p. 251.
(4) AGASSIZ, Jean Louis R. et AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil 1865 - 1866. Brasília: Senado Federal, 2000, p. 145.
(5) ______ Itinerário e Trabalhos da Comissão de Estudos da Estrada de Ferro do Madeira e Mamoré. Rio de Janeiro: Soares e Niemeyer, 1885, 40.
(6) De vita Caesarum, Livro II.