Povos de diferentes etnias, falando línguas distintas, viveram na Mesopotâmia na Antiguidade. Apesar disso, compartilhavam o culto a quase todos os deuses. É verdade que, às vezes, um mesmo deus ou deusa era venerado com nomes diferentes, mas, a despeito da variação na nomenclatura, sabemos que se tratava da mesma divindade porque a mitologia associada era muito semelhante. Além disso, não eram poucos os deuses vinculados à guerra, chamados "deus-sol", "deus-lua" (ou "deusa-lua") ou relacionados aos planetas, à fertilidade do solo, ao amor, à procriação, aos fenômenos da natureza. Em se tratando do culto aos deuses, povos da Antiguidade não tinham por hábito economizar nos encômios. Eram títulos e mais títulos, de modo que, às vezes, fica até difícil identificar a que deus, exatamente, se referiam.
Por que isso acontecia?
A antiga Mesopotâmia, em tempos nos quais o nomadismo era bastante comum, foi área de trânsito para muitos povos. Conviviam um pouco, pacificamente ou não, assimilavam algo da cultura alheia e seguiam em frente. O passar do tempo amalgamou elementos às vezes muito diversos, de modo que, com a sedentarização, as diferentes cidades, em se tratando de religião, tiveram muito em comum, ainda que, como regra, cada uma venerasse um deus principal, sem descartar o culto secundário a outras divindades. Portanto, a lista de deuses e deusas que veremos a seguir inclui, sem ser exaustiva, apenas as principais divindades cultuadas por assírios e babilônios (¹). Lembrem-se, leitores, de que havia uma infinidade de outros deuses e deusas. Era politeísmo às últimas consequências.
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Relevo assírio retratando uma procissão em homenagem aos deuses (²) |
Divindades cultuadas por assírios, babilônios e outros povos da Mesopotâmia
Marduk - Era o deus principal da Babilônia, retratado, muitas vezes, em companhia de quatro cães, embora também representado ao lado de um dragão dotado de dois chifres. Era relacionado ao nascer do Sol. Sua companheira era Sarpanitu, vinculada ao nascer da Lua e, às vezes, a Vênus.
Ashur - Era cultuado exclusivamente pelos assírios, sendo, portanto, seu deus nacional e protetor da cidade de Ashur, que foi, durante muito tempo, a capital assíria. Representado frequentemente por um círculo dotado de asas, estava relacionado ao sol durante um eclipse.
Nusku - Guerreiro notável, esse deus era particularmente venerado pelos reis assírios. Era também considerado mensageiro de Marduk.
Nebu (ou Nebo, ou ainda Nabu) - Filho de Marduk, era cultuado em Borsipa. Tido como o deus-profeta, patrocinador das ciências, mensageiro dos deuses. Os escribas tinham em Nabu o seu patrono. Sua companheira chamava-se Tasmetu.
Shamash - Seguramente uma das mais antigas divindades da Mesopotâmia, era o deus-sol (³). Por sua capacidade de iluminar todas as coisas, estava identificado como juiz tanto do céu como da terra. Ele e Aa, sua companheira, eram particularmente venerados em Larsa e Sippar.
Ishtar - Deusa da criação, também venerada como Nina e, por isso, particularmente relacionada à cidade de Nínive, uma das capitais assírias. Um aspecto curioso de seu culto era a prática das oferendas de peixes.
Amurru - Foi muito popular nos dias de Hamurabi. Era considerado o deus das montanhas.
Sin Nannar ou Narnar - deus-lua; cujo principal centro de culto estava em Uru (⁴). Sua companheira era Nin-Uruwa, ou seja, a senhora de Uru.
Rammanu (ou Rimmon, ou ainda Hadad) - Conhecido como o trovejador, era o deus das tempestades (⁵), vendavais e outros fenômenos correlatos. Sua companheira era Shala.
Tamuz - Um dos deuses mais antigos e de culto mais amplo, a ponto de exceder os limites da Mesopotâmia. Era retratado como um pastor cuidando de seu rebanho. Sua companheira era Ishtar, deusa do amor e da guerra, cultuada principalmente em Erech e Nínive. Tamuz morria e ressurgia anualmente, sendo, por isso, identificado com a sucessão das estações do ano.
Nin-Girsu (ou Ninurta) - Era cultuado em Lagash. Às vezes Identificado com Tamuz, por ser, como ele, deus da agricultura. Bau, a deusa-mãe de Lagash, era sua companheira.
Nergal - Era o deus do mundo dos mortos, do fogo, da guerra e causador das epidemias. Promovia destruição e, por isso, era invocado quando se esperava que agisse contra os inimigos na guerra. Seu principal centro de culto estava em Kutha, perto de Babilônia. Tinha Eresh-Kigal por companheira.
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Relevo assírio em que o rei vitorioso é mostrado sob um círculo alado, símbolo do deus Ashur (⁶) |
A consagração de uma estátua de Nebu na Assíria
Agora, meus leitores, veremos um desses documentos que, escritos em argila, sobreviveram para que soubéssemos como era a consagração da estátua de um deus na antiga Mesopotâmia.
Foi em 798 a.C.: sob as ordens de um governador provincial assírio, uma estátua de Nebu foi edificada. Não devia ser um monumento qualquer, tendo em vista a grandiloquência de sua consagração, à qual não faltou nem mesmo um recadinho para os que viveriam muito tempo depois:
"Para Nebu, o protetor exaltado [...] que tudo vê, sem limites, o grande, o poderoso [...], cuja autoridade é suprema, mestre das artes, que vê tudo o que acontece no céu e na terra, que tudo sabe e tudo ouve, portador do estilo (⁷) de escriba [...], gracioso e majestoso, capaz de todo conhecimento e adivinhação, amado de Bel, senhor de senhores, cujo poder não tem rival, sem cujo conselho nada se faz no céu [...], ao grande senhor [...], para o bem de Ramman-nirari o rei da Assíria, seu senhor, e para o bem de Sammuramat, senhora do palácio e sua companheira, Bel-tarsi-iluma, governador das províncias de Kalach, Chamedi, Sirgana, Temeni e Yaluna, para que sua vida seja preservada e seus dias prolongados [...], para que haja paz em sua casa e em sua descendência e para que seja livre de toda enfermidade [esta estátua] foi feita e dedicada. Homem do futuro! Confie em Nebu, não confie em nenhum outro deus!"
Quem vivia na Antiguidade quase não tinha controle sobre as doenças, já que as verdadeiras causas das diferentes moléstias eram desconhecidas. A expectativa de vida, por consequência, era baixa e, na busca por cura e sobrevivência, era usual a invocação de divindades. É nesse contexto que se insere a dedicação da estátua de Nebu, homenageado, dessa vez, por assírios, embora fosse, também, estimadíssimo entre os babilônios. É bastante provável que proclamações semelhantes fossem realizadas onde quer que a consagração de um novo templo ou estátua ocorresse entre os demais mesopotâmios.
(1) A ideia é apenas colocar um pouco de ordem no vastíssimo panteão da Mesopotâmia, venerado por sumérios, acádios, babilônios, assírios, etc.
(2) LAYARD, Austen Henry. The Monuments of Nineveh. London: John Murray, 1853. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) Ou um deles...
(4) Também conhecida como Ur.
(5) Quase toda mitologia tem um.
(6) LAYARD, Austen Henry. Op. cit. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(7) Pequeno bastão destinado à gravação da escrita cuneiforme em placas de argila.
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