quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pilões e monjolos

Pilão manual (⁴)
Os pilões são usados no Brasil desde tempos remotos, principalmente para moer o milho. Já os monjolos, conforme veremos, vieram com a colonização portuguesa. A diferença entre pilões e monjolos está no fato de que os últimos fazem o trabalho de vários pilões. Mas não é só. Enquanto os monjolos funcionam com base na força da água, os pilões pressupõem que seres humanos consumam muitas calorias para mantê-los em funcionamento.
O primeiro monjolo do Brasil, de acordo com Varnhagen (*), foi, em meados do século XVI, instalado na Capitania de São Vicente, na região do porto de Santos, por ideia de Brás Cubas que, segundo o mesmo autor, foi, na Capitania, o procurador do donatário, Martim Afonso de Sousa, que depois de sua famosa viagem ao Brasil na década de 30 do século XVI, não mais tornou a ver a América.
Vamos ao texto de Varnhagen:
"[...] Nesse lugar adquiriu terras, e se estabeleceu, construindo aí o primeiro monjolo que se conheceu no Brasil, e foi pelos índios denominado Enguá-guassú (pilão grande), nome que primitivamente teve o local, onde depois se fundou a vila chamada de Todos os Santos, hoje cidade de Santos, vila que, por influência do mesmo Cubas, desde logo teve hospital e casa de misericórdia, com os privilégios da de Lisboa por alvará régio." (¹)

Monjolo (⁴)
Sim, leitor, com tão precoce introdução do sistema de moagem por monjolo, cujas vantagens em relação aos pilões manuais são evidentes, seria natural que logo até as mais pequenas povoações fossem todas servidas por alguma dessas maquinazinhas. Mas não foi o que ocorreu, pelo que depreendemos de um relato de Hércules Florence, datado de 1826, anotado durante a Expedição Langsdorff, no qual o então jovem desenhista da Expedição manifesta toda a sua fúria diante da demora em Camapuã para que se preparasse a farinha que usariam ao prosseguir viagem, já que toda ela precisaria ser feita em pilões, por não haver um monjolo na localidade, não economizando no palavreado aos descrever os moradores do lugar. Escreveu ele:
Monjolo, detalhe (⁴)
"Como de Porto Feliz partíramos levando a quantidade de farinha de milho necessária para a viagem até Camapuã, a fim de não carregar demais as canoas, tivemos que encomendar 120 alqueires que os moradores se puseram logo a preparar, desperdiçando contudo muito tempo em socar o milho a poder de braços, porque nem sequer possuem um monjolo, a máquina mais estúpida que jamais foi inventada e que é de uso no interior do Brasil para com o emprego da água pilar arroz e milho.
Existira já um em Camapuã, mas como uma enchente do rio o quebrara, esses desgraçados vadios não tinham pensado em substituí-lo por outro." (²)
A seguir, passa a descrever um monjolo em detalhes, mecanismo pelo qual, aliás, parecia não ter também muito afeto:
Monjolo, detalhe (⁴)
"Consiste em grande e pesadíssima peça de madeira de 25 a 30 pés de comprido que tem numa extremidade uma cuba e noutra um furo, onde se adapta um pilão. Coloca-se tudo isso em equilíbrio debaixo de um veio d'água que caia dentro da concavidade. Quando esta se enche, o peso faz descer um dos braços e subir o outro, isto é, o pilão que esmaga na queda os grãos de milho, mal se entorne a água. Semelhante maquinismo não pode trabalhar senão muito lentamente: medeiam 10 a 12 segundos de uma pancada à outro, e a água não faz a sexta parte do serviço que poderia prestar." (³)
Supõe-se, claro, que nosso irritado artista estivesse a pensar quanto tempo mais seria preciso para que alguém resolvesse instalar um moinho verdadeiro. Mas, pelas alturas do século XIX, em questões relacionadas a novidades tecnológicas, a vida no interior do Brasil corria mesmo muito devagar.

(1) VARNHAGEN, F. A. História Geral do Brasil Antes da Sua Separação e Independência de Portugal Tomo 1, 2ª Edição. Rio de Janeiro: Laemmert, 1877, p. 167.
(2) FLORENCE, Hércules.  Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 67.
(3) Ibid.
(4) O pilão manual pertence ao acervo do Museu de São Pedro (SP); o monjolo pertence ao acervo do Museu Histórico e Geográfico de Monte Sião (MG).


Veja também:

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigada, Vera Aguiar. Será ótimo se visitar "História & Outras Histórias" mais vezes! :-)

      Excluir
  2. Me ajudou muito em meu trabalho!! obrigado.

    ResponderExcluir
  3. Lembrei de meus avós pois na casa deles havia rego dágua e monjolo. Grata.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Deve ser mesmo inesquecível aquele som do monjolo.
      Obrigada pela visita a este blog!

      Excluir

Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.