quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

As lavouras nas proximidades das Minas do Cuiabá e o que nelas se cultivava

Quem viajava pela rota das monções até as Minas do Cuiabá tinha de levar boa quantidade de suprimentos. Como já se explicou em postagem anterior, esses suprimentos quase sempre acabavam antes do final da viagem e, por vezes, a fome era uma companhia extremamente cruel aos esfomeados do ouro. Por isso, aos poucos foram surgindo roças a distâncias não muito grandes das minas, nas quais os monçoeiros podiam comprar algum mantimento para amenizar as dificuldades da longa jornada que haviam empreendido.
A pergunta é: Por que roças somente tão perto de Cuiabá, e não mais longe, já que eram tão necessárias e certamente haveria compradores para a produção?
Primeiro, as roças não eram vistas como uma prioridade - importante, mesmo, era a busca pelo ouro e, nesse sentido, poucos eram os que se dispunham a desenvolver algum tipo de cultivo. Quando isso acontecia, era interessante estar perto do núcleo de povoação, pois os preços que nas minas se pagavam por gêneros alimentícios eram extremamente altos.
Bananeira, segundo gravura de Debret (*)
Além disso, havia uma outra razão para que a lavoura não se fizesse muito longe da povoação: os confrontos com a população indígena foram, nessa área, particularmente violentos. Inconformados com a presença de "gente nova" em áreas que consideravam como suas, os índios atacavam as roças, levavam a colheita, queimavam casas e outras instalações e, muitas vezes, matavam senhores e escravos que ali viviam (não se surpreenda, leitor: os povoadores não agiam de modo muito diferente). Daí se vê que, por razões defensivas, os agricultores não queriam tentar o estabelecimento de plantações muito distantes, ainda que os monçoeiros muito procurassem por alimentos em seu caminho. Há relatos de gente que foi cultivar áreas distantes e que conseguiu fazê-lo por certo tempo, até que uma monção, por ali passando (em intensa expectativa de comprar novos suprimentos), constatava estar tudo completamente destruído pelas chamas e, para horror geral, chegava-se a avistar ossadas humanas expostas, talvez como uma espécie de advertência.
Sendo as coisas assim, o que se cultivava nas roças existentes nas imediações nas minas? A lista não é muito extensa e inclui, como não poderia deixar de ser, aquilo que produzia sem muita dificuldade: milho (com uma infinidade de aplicações), mandioca (principalmente para se fazer farinha), feijão, batata, melão e melancia, banana e, certamente não para atender necessidades alimentares, fumo. Rotineiramente, criavam-se galinhas e porcos e, algumas vezes, cabras também. Não era muito, mas era disso que se abastecia a população mineradora em Mato Grosso, uma vez que, ao contrário do que ocorria nas Gerais, em que grande parte dos suprimentos vinha de longe, nas costas das mulas dos tropeiros, aqui já não havia essa possibilidade. A distância dos maiores centros de povoação era muito maior e, até por restrições governamentais para evitar o contrabando de metal precioso não quintado, um caminho terrestre que fosse praticável demorou a ser estabelecido.

(*) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 1. Paris: Firmin Didot Frères, 1834. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.

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